sábado, 28 de fevereiro de 2015

Guru Vachaka Kovai - Grinalda de Palavras do Guru (2)






Nirvana


Como a serpente que habita no ninho de formigas, que se desfaz da sua pele sem a menor preocupação, é nosso dever nos desfazermos das cinco camadas que se colam a nós através de ilusória associação, e cuja forma é o véu que provoca sofrimento.


Jiva-nirvana é o estado em que o apego aos cinco invólucros foi removido, a fim de desfrutar plenamente da silenciosa Bem-aventurança nascida pela Graça do Senhor, o Ser, que é o espaço da Consciência.   



Guruvachaka Kovai, 441-442
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar   


   

['Nirvana' significa desvelamento, ou seja, o derramamento dos cinco invólucros]

Sadhu Om explica: Este versículo também pode ser interpretado da seguinte forma metafórica e mística: A noiva [o Jiva], a fim de que lhe seja concedido plenamente desfrutar de seu noivo [o Ser], tem de abandonar a sua timidez na forma de apego aos cinco invólucros. 
Na sua litania-de-amor "Arunachala Aksharamanamalai", que significa "Grinalda de noivado de poemas para Arunachala", Sri Ramana canta assim no verso nº 30:

Oh Arunachala! Destrói minhas roupas, e tendo-me desnudado,
concede-me a veste de Tua Graça.



A verdadeira natureza da alma é obscurecida devido às coberturas que a encerram. Cinco camadas (Koshas) feitas de ignorância (avidya) a cobrem: annamaya (corpo físico), pranamaya (ar vital), manomaya (mente), vijnanamaya (intelecto), e anandamaya (pseudo-Bem-aventurança; Reflexo de Atma (Alma), que existe num estado de felicidade absoluta). Identificando-se com elas, a alma passa pela vida empírica, totalmente alheia à sua verdadeira natureza como puro Ser. Estas coberturas têm de ser descartadas, e a alma deverá ser reivindicada. A alma devota reza a Arunachala para que a dispa e lhe conceda as vestes da Sua Graça.

















Durga com, no seu coração, Brahma, Vishnou e Shiva


Escute! As pessoas não podem sequer pensar a não ser quando capacitadas para o fazer pelo Poder Supremo Chit-Shakti  que é benevolente para com todos. Aqui neste mundo o saltitar das pessoas, entusiasmadas pelo sentimento de 'eu vou fazer isto!' realizando karmas com grande entusiasmo e zelo, é de facto uma grande maravilha.



Isto é muito parecido com o zelo do aleijado que declarou: "Se alguém me erguer e me apoiar, enfrentarei uma séria de inimigos só com uma mão, os abaterei, e aqui levantarei uma pilha de cadáveres".




Guruvachaka Kovai, 168-169
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar   


   


Os dois versículos acima são condensados e resumidos por Bhagavan no versículo seguinte: 


As actividades fúteis dos loucos que, não percebendo que eles próprios são activados pelo Poder Supremo, e fazem esforços pensando: "Vamos adquirir todos os siddhis", são como [os esforços] do aleijado da história, que se gabava: "Se alguém me ajudar a ficar de pé, que valor terão os meus inimigos diante de mim?"



Este versículo também aparece como o versículo quinze em Ulladu Narpadu Anubandham



















Oh! gente infeliz e extrovertida! Vocês que suportam sofrimento infindo pela percepção dos objectos dos sentidos sem perceberem primeiro aquele em cuja visão eles aparecem! A Felicidade é simplesmente a remoção do sentimento de dualidade. Isso ocorre quando a atenção está voltada para dentro e não para fora.



Guruvachaka Kovai, 186
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar





Sadhu OM explica: Os termos "para dentro" e "para fora" podem ser utilizados apenas em referência ao corpo, mas como o próprio corpo é uma mera imaginação, tais termos não devem ser interpretados literalmente. A razão para a utilização destas palavras é que o aspirante, na sua ignorância, sente o seu corpo como "eu", assim, ao lhe ser dito para "voltar para dentro", ele deve entender que deve "voltar para Si próprio", isto é, deve voltar a sua atenção para o que Ele sente como "Eu". Na verdade, o Si não está dentro nem fora do corpo uma vez que ele existe só para além de todas as limitações, tais como tempo e espaço.








Perfeita e pacífica clareza é o que os Vedas declaram ser o objectivo final de tapas. Por outro lado, quaisquer que sejam os abundantes e incomensuráveis benefícios atingidos [por meio de qualquer tipo particular de tapas], se depois ainda continua a haver um pingo de desejo [ou oscilação da mente], então esse tapas deve ser abandonado de imediato.


Não conclua que alcançou a graça gloriosa de Deus apenas em razão das mais variadas riquezas do mundo que tenha obtido através de meios virtuosos. Considere somente o brilho da consciência profundamente pacífica, que é desprovida das ansiedades que surgem através de pramada [esquecimento desditoso, negligência], como indicação da graça de Deus. 


Guruvachaka Kovai, 751-753
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar





Sadhu OM explica: As pessoas ignorantes muitas vezes pensam que obtiveram a Graça de Deus meramente por terem recebido diferentes tipos de bem-estar terreno, como riqueza e saúde. Mas estes não são os sinais correctos da Graça de Deus, uma vez que são dados meramente em função dos punyas [actos meritórios] de cada um, ou seja, são o resultado de prarabdha*. O estado de Jnana, em que se conhece o Ser e assim se permanece em paz ininterrupta, livre de sofrimentos, por si só é o verdadeiro sinal da Graça de Deus. É de notar aqui também que a pacífica clareza de Auto-consciência, que no versículo 751 se disse ser "o objectivo final de tapas", neste versículo é dito que é o verdadeiro sinal da Graça de Deus. 
* Prarabdha: Karma cujos efeitos inevitáveis se manifestam durante a vida presente na nossa própria natureza, isto é, aquilo que constitui o nosso carácter, e as múltiplas circunstâncias que nos rodeiam. 






Se os poucos que são extremamente ricos desistissem da sua vida de luxo em vez de a abraçarem,  através desse [sacrifício] inumeráveis Jivas que [caso contrário] passam fome, definham e sofrem intensamente na doença da pobreza poderiam viver uma vida de prosperidade.


Guruvachaka Kovai, 491
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar




Devemos a nossa riqueza espiritual não apenas aos sábios, videntes, mestres e seres iluminados que percorreram o caminho, mas também à comunidade que os alimentou. Na tradição Hindú, servir os buscadores da espiritualidade e os monges foi de extrema importância. Na verdade, para muitos, este foi um caminho em si mesmo. A mais bela expressão disso foi Annadhanam, a oferta de alimentos. 

Antes de a História começar a ser gravada, as pessoas de todo o mundo reconheceram a estreita ligação entre o alimento e a vida. A palavra sânscrita annadhanam significa literalmente a oferta ou a partilha (dhanam) de alimentos (annam). Na cultura indiana, a partilha de alimentos sempre foi considerada um dever sagrado. Em todas as comunidades em todo o subcontinente Indiano, nenhum festival ou cerimónia é completo sem annadhanam, ou distribuição de prasadam, os artigos comestíveis oferecidos durante opuja. Os alimentos são oferecidos aos antepassados, aos devas, aos sanyasis, aos anciãos, aos peregrinos, assim como à família, aos amigos, aos visitantes, e a quem sente fome, incluindo os animais. Devido a essa tradição universal, ao longo de milénios, os iogues, santos e sábios têm podido viajar, espalhando as ciências espirituais, de uma ponta à outra do subcontinente.







O melhor caminho para diminuir as actividades da mente - que irrompem para o exterior como [a tríade ou triputi], o vidente, a visão e o objecto visto - é treinar a mente para ver a sua própria natureza [por outras palavras, praticar a Auto-atenção]. 


Guruvachaka Kovai, 758
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar









Através da destruição do ego insano, as tríades [vidente-visto-ver, conhecedor-conhecido-conhecer] que são baseadas nele desaparecem e acabam, junto com sakala [multiplicidade: os estados de vigília e de sonho]. 

O puro [sudha] estado de plena Luz-do-Dia [Ser] que então brilha para sempre como centenas de sóis é Sivaratri [a Noite de Siva].




Guruvachaka Kovai, 459
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar


http://amritsartemples.in/wp-content/uploads/2013/02/Shivratri-Greeting-Pictures-Photos-images.jpg

Seja feita a Tua Vontade Senhor.
Que o Senhor te guie ao longo da tua vida

          Maha Shivaratri é um Festival Hindú.
Sadhu OM explica: É uma noite auspiciosa (uma noite antes da lua nova) em que todos os jivas, incluindo Brahma e Vishnu, adoram o Senhor Shiva. A beleza deste momento é que esta noite é como a pura luz do dia. Porquê? Uma vez que nenhuma outra coisa é lá conhecida, lá é noite; e uma vez que lá a consciência pura brilha, é luz brilhante do dia.







Aquele que se alegra com a acção da vontade divina com a atitude, "Ó Senhor não há nada que tenha de acontecer da maneira que eu desejo; deixa que prevaleça a Tua vontade divina", não terá nenhuma razão para ter medo em sua mente, não importa o que aconteça.


Não dando o menor espaço no nosso coração - que sente um grande amor em prestar a atenção ao Ser, a verdadeira forma de Deus - a qualquer pensamento levantado por vasanas [tendências inatas latentes] é a maneira correcta de nos oferecermos ao Senhor.



Guruvachaka Kovai, 481-482
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar






Sadhu Om explica: Estas são as palavras da Graça transmitidas por Sri Bhagavan em Quem sou Eu?: "Não dar qualquer espaço ao surgimento de quaisquer pensamentos a não ser o pensamento do Ser [Atma-chintanai] - isto é, Auto-atenção] e permanecer firmemente estabelecido no Ser é render-se ao Senhor". Consulte também o versículo 1189







Saiba que:


Conhecimento [Pura Consciência] é não-apego;
Conhecimento [Pura Consciência]  é pureza;
Conhecimento [Pura Consciência] sem-esquecimento é libertação-do-medo [abhayam];
Conhecimento [Pura Consciência] é o elixir da imortalidade;
Conhecimento [Pura Consciência] apenas é tudo.

Abhayam pode alternativamente significar: ‘o local de refúgio’




O Conhecimento da largura e comprimento, da base e do topo - a profundidade e altura - do Conhecimento não é senão o bem-aventurado silêncio da mente; é impossível mesmo para os deuses conhecer esse estado de Conhecimento.


Sri Muruganar explica: Uma vez que o Conhecimento transcende todas as limitações e medidas, está além da compreensão. A fusão do conhecimento da mente no Conhecimento não-dual [Kevala Arivu] e lá permanecer em Bem-aventurança por si só é o conhecimento do Conhecimento.




Além da Consciência não existe o mundo;
Além da Consciência não existe o amado jiva;
Além da Consciência não existe a suprema-graça;
Conhecer a Consciência é de facto a verdade suprema.



Guruvachaka Kovai, 438-439-440
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar










Antes de obter um objecto desejado, o desejo intenso faz até mesmo um átomo parecer do tamanho do Monte Meru. No entanto, quando o objecto desejado é obtido, em total contraste, o Monte Meru parece um átomo. Os desejos fortes mantêm-nos para sempre pobres, por isso nunca vimos em lugar nenhum um abismo sem fundo tão impossível de preencher como os desejos avaros que nunca podem ser satisfeitos.


Guruvachaka Kovai, 371
Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar







Quando Draupadi, a mulher casta, desistiu de segurar o seu sari, e ergueu as mãos juntas acima da cabeça, rezando, "Krishna, agora só tu és o meu refúgio", o sari protegendo a sua honra cresceu sem parar, e o forte Duchasana caiu abalado, como que paralisado.
(Guruvachaka Kovai, 468)
(Grinalda das Palavras do Guru, de Muruganar)






Sadhu Om explica: - Enquanto Draupadi estava tentando segurar o sari
com as suas próprias mãos para que não lhe fosse arrancado, e foi chamando
a Sri Krishna por socorro, a Sua Graça não começou a
operar. Mas assim que, tendo fé completa na Sua
graciosa protecção, ela desistiu de segurar as roupas com as
próprias mãos e as levantou acima da cabeça em oração, a sua rendição
tornou-se completa e, portanto, a Sua Graça começou a operar
fazendo o sari aumentar infinitamente e fazendo com que o abominável
Duchasana que estava a tentar despi-la caísse envergonhado.
Este incidente é apontado a fim de instruir-nos que
devemos abandonar o sentido de que somos nós os fazedores e devemos, portanto,
entregar-nos a Deus completamente e sem reservas.


Draupadi é a principal personagem feminina no Épico Hindú Mahabharata,
considerado o maior épico do mundo, que inclui a 






A esposa dos irmãos Pandava (Arjuna, Maharaja Yudhisthira, Bhima, Sahadeva e Nakula)está a ser despida por Duryodhana e Duhsasana, dois filhos de Dhrtarastra,
depois de ter sido perdida para eles numa partida de jogo.
Dhrtarastra está sentado no trono. Krishna está se tornando o manto infinito de Draupadi
para a salvar de ser vista nua pela assembleia.
Devido a este incidente e outras ofensas aos Pandavas, Krishna queria que houvesse uma batalha...




MAHABHARATA





Templo de Draupadi Amman no sopé de Arunachala





Tradução: Blog "Texto Meditativo"

Consulta: Guru Vachaka Kovai.pdf




domingo, 8 de fevereiro de 2015

'Eu' é o centro e fonte do tempo e espaço





Oh! Arunachala! Com que força posso eu, que sou pior que um cão,
aproximar-me de Ti e Te alcançar?




A alma-devota percebe a sua pequenez e impotência na presença gloriosa de Arunachala, o seu Senhor. Ela despreza a si mesma, dizendo que é pior que um cão. Que direito tem um cão de exigir entrada num lugar sagrado? Como pode a alma por seu próprio esforço alcançar os pés do Senhor? Mesmo para ser capaz de adorar Seus pés, Sua graça é necessária. Tudo o que a alma pode e deve fazer é entregar-se aos cuidados do Senhor.
O Senhor não pode fugir, dizendo à alma, 'Não estás pronta, vai embora!'
É Seu dever tornar a alma apta e aceitá-la.

ARUNACHALA AKSHARAMANAMALAI
Grinalda de noivado de poemas para Arunachala - Poema 39




Fonte:  

'I' is the centre and source of time and space

Michael James
http://happinessofbeing.blogspot.co.uk/2014/01/i-is-centre-and-source-of-time-and-space.html


Sexta-Feira, 17 Janeiro 2014


Um novo amigo escreveu-me recentemente dizendo que acha que entendeu o conceito de tempo, mas ainda não compreendeu o conceito de espaço. Na minha resposta escrevi:

O conceito de espaço é apenas isso: um conceito ou ideia, e como tal é uma construção mental.

Tempo e espaço são os dois quadros conceptuais interligados dentro de cada um dos quais organizamos todas as outras ideias sobre o mundo físico. Sem espaço, não haveria lugar para mais de uma coisa parecer que existe (porque cada coisa requer um local separado no qual existir, uma vez que duas coisas não podem simultaneamente ocupar o mesmo lugar), então o espaço é o quadro conceptual que permite a aparência de multiplicidade. Da mesma forma, sem o tempo, não haveria possibilidade de qualquer mudança parecer ter lugar, então o tempo é o quadro conceptual que permite a aparência de mudança, o que parece estar constantemente a ocorrer dentro desta aparência de multiplicidade.

Portanto, para conhecer o "Eu", que é um e imutável, nem o espaço nem o tempo é necessário. Na verdade, todas as ideias de espaço e tempo precisam ser postas de lado a fim de podermos experienciar o "Eu" como ele realmente é, porque espaço é a base para a ilusão da multiplicidade (que é experienciada como "eu" e outras coisas), e tempo é a base para a ilusão da mudança (em que o "eu" parece ser apenas uma entre muitas coisas mudando).

Assim como o movimento de um comboio onde vamos sentados cria a ilusão de que as árvores, casas e outros objectos fixos se movem rapidamente, assim também a mudança que experienciamos em tudo que nos rodeia no tempo e no espaço cria a ilusão de que este "eu" imutável também está mudando.

A nossa experiência de espaço e tempo é centrada em torno de dois pontos cruciais: 'aqui' e 'agora'. 'Aqui' é qualquer ponto no espaço em que eu actualmente experiencio estar, e 'agora' é qualquer ponto no tempo em que eu actualmente experiencio ser. Uma vez que experienciamos qualquer outro lugar no espaço e qualquer outro momento no tempo, da forma como eles se relacionam com o actual ponto no espaço, 'aqui', e o actual ponto no tempo, 'agora', e uma vez que estes pontos são os únicos em que o "eu" está presente, o centro em torno do qual todo o espaço e tempo são experienciados é apenas o "eu".

Além disso, uma vez que tempo e espaço são experienciados apenas quando experienciamos este "eu" como algo que é separado deles e de todas as outras coisas e acontecimentos que parecem existir neles, o "eu" não é apenas o centro da nossa experiência de tempo e espaço, mas é também a fonte e raiz de tal experiência.

Apesar de o "eu" ser assim tanto o centro como a fonte da nossa experiência de tempo e espaço, parece-nos que nós (este "eu") nos estamos a mover através do tempo numa direcção do passado para o futuro, e a deslocar-nos no espaço. No entanto, também nos parece - quando visto de uma forma ligeiramente diferente - que o tempo está a passar por nós e o espaço à nossa volta a mover-se em relação a nós (assim como objectos parados do lado de fora parecem estar a passar por nós quando estamos sentados num comboio em movimento).

Assim podemos conceber a relação entre espaço e 'aqui' de duas maneiras. Normalmente concebemos o espaço como um quadro fixo dentro do qual nós e outros objectos nos movemos, e onde quer que nós nos movemos (ou seja, o nosso corpo), 'aqui' move-se junto connosco (porque 'aqui' é sempre onde "eu" estou, por isso quando um corpo é experienciado  como "eu", 'aqui' é onde esse corpo está). Alternativamente, podemos conceber 'aqui' como sendo o ponto fixo em relação ao qual o espaço se move. Agora este lugar onde eu estou é 'aqui', mas se o meu corpo sair desta sala, outros lugares (ou seja, pontos no espaço) entram e ocupam temporariamente 'aqui'.

Se analisarmos a nossa experiência, esta última é a que experienciamos mais directamente, porque subjectivamente experienciamos o mundo que se move em relação ao 'aqui', o ponto central no espaço, localizado no "eu". No entanto, embora isto seja o que experienciamos em primeiro lugar, devido à nossa perspectiva objectiva rejeitamos esta visão subjectiva e em vez disso sobrepomos fixidez no espaço, e assim criamos uma ilusão secundária de que o espaço é fixo e 'aqui' se move em relação a ele.

Quando estamos sentados num comboio em movimento, se a nossa atenção é dirigida para as coisas nas proximidades fora do comboio, elas parecem estar em movimento e nós parecemos estar parados em relação a elas, enquanto que se a nossa é dirigida para objectos distantes no horizonte, eles tendem a parecer mais parados e nós parecemos estar a mover-nos em relação a eles. Da mesma forma, quando escolhemos uma visão mais subjectiva da nossa existência, atendendo à forma como as coisas realmente parecem ser a partir de uma perspectiva estritamente de primeira-pessoa, parece-nos que estamos relativamente parados e que os locais no espaço se movem em relação a nós (tal como poderíamos dizer ao viajar num comboio, 'Londres está agora a aproximar-se', enquanto que quando escolhemos uma visão mais objectiva da nossa experiência, atendendo ao mundo físico como se ele existisse 'lá fora', independente da nossa percepção dele, parece-nos que o espaço físico é um conjunto fixo de locais no qual nos movimentamos. 

Nenhuma destas concepções alternativas é verdadeira, porque o mundo, o espaço em que parece existir e o tempo em que parece mudar é tudo uma ilusão, mas a concepção de que o espaço se move em relação ao ponto fixo 'aqui' está mais perto da verdade do que a concepção de que 'aqui' se move em relação a um quadro fixo chamado espaço, porque 'aqui' é onde o experienciador "eu" está localizado, ao passo que o espaço é o quadro conceptual em que tudo o que é experienciado parece estar localizado. Uma vez que o experiencidador é sempre vivido no centro  de tudo o mais que é experienciado, qualquer lugar que seja agora experienciado como 'aqui' é experienciado como o ponto central no meio de todos os outros lugares que experienciamos em torno de nós.  

Se o espaço ou o tempo existem independentes da nossa experiência deles, pode ser verdade que nos movemos em relação a eles, mas se eles não existem independentes da nossa experiência deles, o que é fixo é apenas nós mesmos, e todo o movimento é em relação a nós, que o experienciamos. Portanto, para descobrir se somos algo que está fixo ou algo que se está a mover e a mudar, precisamos investigar este "eu": quem ou o que sou eu?

Quando Sri Ramana investigou a ele mesmo para saber se o "eu" na verdade sofre a maior mudança chamada de "morte", ele descobriu que o "eu" é a única realidade imutável e infinita, e que tudo o mais que é experienciado é apenas uma ilusão. Portanto, fosse o que fosse que as pessoas lhe perguntassem, a sua resposta imediata foi sempre pedir-lhes para descobrir quem é o "eu" que quer saber as respostas para tais perguntas, e somente se mostrassem ser incapazes de reconhecer ou aceitar que investigando quem sou eu iria resolver todos os seus problemas e responder a todas as suas perguntas, ele iria dar alguma outra resposta para atender às suas limitadas aspirações e poder de compreensão.

Portanto, de acordo com a experiência de Sri Ramana, o que está realmente fixo é o "eu", e tudo o mais está mudando, mas porque nós confundimos uma coisa que muda (uma pessoa composta de um corpo e mente) como sendo "eu" e porque estamos mais interessados em atender e experienciar outras coisas do que estamos em atender e experienciar apenas "eu", transpomos a nossa percepção do que é fixo de nós mesmos para o espaço no qual o mundo exterior parece existir.

Assim tempo e espaço são duas ilusões básicas que tanto nos confundem. Para corrigir esta confusão, que está enraizada na confusão primordial "eu sou este corpo", temos de tentar atender e experienciar apenas "eu". Se perseverarmos na tentativa de assim fazer, eventualmente seremos bem sucedidos, e quando o fizermos vamos experienciar a nós mesmos com perfeita clareza como realmente somos, não misturados e não contaminados com a aparência ilusória de qualquer outra coisa.

Portanto, para remover toda a nossa confusão actual, que é como uma mata densa e emaranhada que brotou de uma só raiz, ou seja, a ilusão "eu sou este corpo", temos de mudar o foco do nosso interesse e atenção para longe de todas as outras coisas, em direcção ao "eu" apenas. Este é o remédio simples mas poderoso que sempre esteve disponível para nós, mas que só agora reconhecemos porque foi para nós salientado por Bhagavan Ramana. 


Michael James



Tradução: Blog Texto Meditativo


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Por que são necessárias compaixão e 'ahimsa' num sonho?



Oh, Arunachala!
Consumido por intensa devoção
quando entrei em Ti como meu refúgio,
Tu permaneceste imaculada!

 

ARUNACHALA AKSHARAMANAMALAI
Grinalda de noivado de poemas para Arunachala - Poema 59




Fonte:  

Why are compassion and ahiṁsā necessary in a dream?

Michael James
http://happinessofbeing.blogspot.pt/2015/01/why-are-compassion-and-ahimsa-necessary.html


Domingo, 11 Janeiro 2015


Em Junho passado, umas semanas depois de publicar no meu canal do YouTube o vídeo de Maio.2014 em que respondo a perguntas num encontro do Ramana Maharshi Foundation UK, um amigo chamado Jim escreveu-me perguntando:


No último vídeo que carregou no You Tube, fala sobre ser vegetariano, e pastelarias, e assinar petições. Estou confuso neste ponto. Muito é dito acerca deste estado de vigília ser exactamente como o nosso estado de sonho, o que importa o que comemos, ou vestimos, ou onde são feitas as nossas roupas? Se em sonho estou a comer um frango, uma cenoura ou o pára-choques dum carro nada disso importa. Ao acordar percebo que é apenas um sonho todo criado pela minha mente. Não há nenhum rapaz a fazer trabalho escravo numa confecção quando acordo certo? Então por que razão o estado de vigília é diferente?

O que se segue é uma adaptação da longa resposta que lhe escrevi, e também de respostas mais curtas que dei aos dois e-mails posteriores:


  1.  Um sonho parece ser real, enquanto o estamos a experienciar
  2.  Como responder ao sofrimento visto num sonho?
  3.  Acordar de um sonho é a única solução para todo o sofrimento que vemos nele
  4.  A auto-investigação é o único meio pelo qual podemos acordar deste sonho
  5.  Até acordarmos deste sonho devemos evitar causar dano a outrem
  6.  Não devemos ser demasiado preocupados com injustiças ou outros assuntos 
       mundanos
  7.  Enquanto a nossa mente está voltada para fora devemos preocupar-nos com
       o bem-estar dos outros
  8.  Para manter nosso ego sob controlo devemos ser vigilantes, auto-atentos
  9.  Quem é responsável pela criação deste mundo?
10.  Apenas em absoluto silêncio podemos experienciar o que realmente somos


1.  Um sonho parece real enquanto o estamos a experienciar

Você diz: "Se em sonho estou a comer um frango, uma cenoura ou o pára-choques dum carro nada disso importa. Ao acordar percebo que é apenas um sonho todo criado pela minha mente". Sim, nada disso importa depois de acordar, mas enquanto você está a sonhar importa.

Suponha que sonha que está a ser comido por uma galinha. Está deitado impotente, incapaz de se mover, enquanto uma galinha o está bicando ferozmente arrancando a sua carne. Assim como as pessoas apreciam as asas e o peito dum frango quando o estão a comer, esta galinha aprecia a carne dos seus braços e peito, e está a arrancá-la impiedosamente dos seus ossos.Enquanto você estava a ter tal sonho, e a sentir toda a dor e medo que tal experiência implicaria, isso não importaria para si? Não lutaria freneticamente para escapar de uma tal situação?

Ao fim de algum tempo iria acordar e descobrir que era um sonho, e então deixaria de ter importância para si (embora durante algum tempo pudesse permanecer uma lembrança desagradável), mas enquanto estava realmente a experienciar essa dor e medo no seu sonho, isso importava muito para si. A razão por que então importava é que enquanto estamos a vivenciar um sonho ele parece-nos ser real.

No sonho experienciamos um corpo sonhado como sendo nós mesmos, e portanto uma vez que nós somos reais experienciamos esse corpo como se fosse real. E uma vez que esse corpo é uma parte do mundo que então experienciamos, esse mundo também parece ser real. Ou seja, a partir de nós mesmos (que de facto somos a única realidade), estendemos o nosso senso de realidade para qualquer corpo que experienciamos como nós mesmos, e via esse corpo estendemos o nosso senso de realidade para o mundo, do qual esse corpo é uma pequena parte.

Portanto, tudo o que experimentamos num sonho parece-nos real naquele momento, e o mesmo ocorre no estado de vigília. Nós agora experienciamos um corpo como nós mesmos, por isso estendemos o nosso senso de realidade a partir de nós mesmos para este corpo, e através deste corpo para o mundo que nos rodeia. Embora agora possamos suspeitar de que esta vida de vigília é apenas um sonho, e embora portanto possamos duvidar de que o nosso corpo e este mundo são reais, não podemos contudo deixar de os experienciar como reais enquanto estamos neste estado.    


2.  Como responder ao sofrimento visto num sonho?

Vamos supor que esta vida de vigília é na realidade apenas um sonho (como Sri Ramana nos diz que é). Neste sonho vemos muita gente (ambos humanos e não-humanos), e todas essas pessoas nos parecem ser reais, e portanto as alegrias e os sofrimentos que os vemos experimentar também nos parecem reais. Se um amigo ou parente querido está a sofrer dor intensa com cancro terminal, não vamos tentar consolá-lo dizendo: "és apenas parte do meu sonho, então tu e o teu sofrimento são apenas uma criação da minha mente, e portanto o teu sofrimento não importa". Quando alguém que amamos está a sofrer, nós sofremos ao ver ou até ao pensar no seu sofrimento. Mesmo se nós dizemos a nós mesmos que tudo isto é um sonho, não podemos evitar de sentir dor quando os vemos sofrer.

Portanto, quer este estado de vigília seja real ou apenas um sonho, uma vez que o experimentamos, todas as pessoas que vemos nele nos parecem reais, e portanto o seu sofrimento deve importar-nos. Podem ser criações da nossa mente, mas se são, assim também é a pessoa que nós agora experienciamos como nós mesmos. Se Michael é uma criação da sua mente, assim também é Jim. Michael e qualquer outra pessoa com quem se cruzar são tão reais (ou tão irreais) como Jim.

Se Jim sofrer uma dor quer física quer emocional, certamente que isso lhe importa, desde que experiencie a si mesmo como Jim.  Se Jim está com dor intensa, você sente "eu estou com dor intensa", e apesar de o dizer a si mesmo que tudo isso é um sonho o poder ajudar a suportá-la, todavia sente essa dor intensa, e está ansioso por ser aliviado dela. Porque agora experiencia a si mesmo como Jim, ele e tudo o que ele experiencia parece-lhe a si que é real, portanto estendeu o seu senso de realidade a partir de si  para Jim e tudo o que ele experiencia. Porque Jim lhe parece ser real, todas as outras pessoas que vê neste mundo também parecem ser reais, portanto, assim como o sofrimento de Jim importa para si, o sofrimento de qualquer outra pessoa (seja humana ou não-humana) deve também importar para si.


3.  Acordar de um sonho é a única solução para todo o sofrimento que vemos nele

Claro que, se tudo isso é o seu sonho, a melhor solução para todo o sofrimento que vê neste sonho, é acordar. Mas você ainda não acordou, e a razão de ainda não ter acordado é que ainda está muito ligado ao Jim, por isso não está disposto a abandonar a experiência "Eu sou Jim". Portanto, enquanto está apegado a esta pessoa chamada Jim, este sonho continua até que seja forçosamente terminado pela morte de Jim (após o que ou se recolherá temporariamente no sono em que este sonho ocorreu, ou começará de imediato a sonhar algum outro sonho). Se quiser terminar este sonho mais cedo - e ao mesmo tempo terminar o sono no qual ele e todos os seus outros sonhos ocorrem - deve investigar quem sou eu que agora me experiencio como Jim.

Quando se experiencia a si mesmo como Jim, essa auto-consciência prisioneira-de-adjuntos "Eu sou Jim" é o que é chamado de ego, como Sri Ramana diz no versículo 26 de Uḷḷadu Nāṟpadu:


அகந்தையுண் டாயி னனைத்துமுண் டாகுமகந்தையின் றேலின் றனைத்து — மகந்தையேயாவுமா மாதலால் யாதிதென்று நாடலேயோவுதல் யாவுமென வோர்.
ahandaiyuṇ ḍāyi ṉaṉaittumuṇ ḍāhumahandaiyiṉ ḏṟēliṉ ḏṟaṉaittu — mahandaiyēyāvumā mādalāl yādideṉḏṟu nādalēyōvudal yāvumeṉa vōr.
பதச்சேதம்: அகந்தை உண்டாயின், அனைத்தும் உண்டாகும்; அகந்தை இன்றேல், இன்று அனைத்தும். அகந்தையே யாவும் ஆம். ஆதலால், யாது இது என்று நாடலே ஓவுதல் யாவும் என ஓர்.
Padacchēdam (separação das palavras): ahandai uṇḍāyiṉ, aṉaittum uṇḍāhum; ahandai iṉḏṟēl, iṉḏṟu aṉaittum. ahandai-y-ē yāvum ām. ādalāl, yādu idu eṉḏṟu nādal-ē ōvudal yāvum eṉa ōr.

Se o ego vem à existência, tudo vem à existência; se o ego não existe, tudo não existe. [Por isso] o próprio ego é tudo. Portanto, saiba que apenas investigar o que este [ego] é, é desistir de tudo.


Até investigarmos e descobrirmos o que esse "Eu" é que agora parece estar mascarado como "Eu sou Jim" ou "Eu sou Michael", não podemos desistir de tudo o mais, por isso vamos continuar a ser apegados a tudo que experienciamos como "eu" ou "meu".

Enquanto estamos a experienciar um sonho, apenas dizendo a nós mesmos que é um sonho, não é uma solução para todo o sofrimento que vemos nele. A única solução é acordar, e a única maneira de acordar de tal forma que nunca mais voltamos a sonhar é investigar a nós mesmos, o "eu" que está a experienciar este sonho.


4.  A auto-investigação é o único meio pelo qual podemos acordar deste sonho


Até estarmos dispostos a desistir inteiramente do nosso apego à pessoa que agora experienciamos como nós mesmos (o que implica também desistir do nosso apego a tudo o mais que experienciamos como resultado de experienciar 'eu sou esta pessoa'), não seremos capazes de experienciar a nós mesmos como realmente somos, e portanto vamos continuar a sonhar um sonho após outro, e tudo o que experienciamos em qualquer desses sonhos nos parecerá ser real naquele momento. Portanto devemos desistir do nosso apego a qualquer pessoa que experimentamos como "eu", e o único meio eficaz para desistir desse apego fundamental é investigar quem eu realmente sou.

Quanto mais perseverarmos em investigar a nós mesmos - ou seja, tentando experienciar o que este "eu" na verdade é ao prestarmos atenção apenas a nós mesmos - mais claramente vamos experienciar a nós mesmos como algo que é distinto e independente de qualquer dos adjuntos que agora confundimos serem nós mesmos, e assim o nosso apego à pessoa que agora experienciamos como sendo nós mesmos será gradualmente enfraquecido, até que finalmente estaremos dispostos a renunciar a esse apego inteiramente. Só então seremos capazes de experienciar a nós mesmos como realmente somos, imediatamente após o que este sonho será dissolvido juntamente com o sono da auto-ignorância em que ele e todos os outros sonhos ocorreram.


5.  Até acordarmos deste sonho devemos evitar causar dano a outrem

Até experienciarmos o que realmente somos e assim acordarmos do sono da auto-ignorância que está subjacente e suporta este e todos os outros sonhos, vamos continuar a experienciar este sonho ou algum outro sonho, e tudo o que experienciarmos em qualquer desses sonhos irá parecer-nos ser real enquanto esse determinado sonho estiver a decorrer. Portanto, embora o nosso principal objectivo deva ser o de experienciar a nós mesmos como realmente somos aqui e agora, até que sejamos capazes de o fazer temos de viver em cada sonho como se fosse real. Por outras palavras, embora devêssemos estar interiormente investigando a nós mesmos tanto quanto podemos, externamente temos que agir neste mundo como se ele fosse real.

Tentar agir neste mundo como se fosse irreal é fútil e sem sentido, porque as nossas acções e a pessoa que sente "Eu estou a fazer estas acções", fazem todas parte deste mundo. Como esta pessoa, nós e as nossas acções são tão reais ou tão irreais como este mundo do qual parecemos agora ser uma parte, então esta pessoa deve agir exteriormente neste mundo como se ele fosse tão real como ela mesma (que é), mas deve interiormente duvidar da realidade de todas estas coisas e deve portanto tentar investigar o "Eu" que parece experienciá-las.

Além disso, mesmo que quiséssemos agir neste mundo como se fosse irreal, na prática não conseguiríamos fazê-lo de forma consistente. Se alguém segurasse a nossa cabeça debaixo de água, não conseguiríamos afastar com calma a sensação de estarmos a sufocar e a afogar-nos como se fosse irreal ou apenas parte de um sonho, mas lutaríamos para levantar a cabeça acima da água para respirar. Da mesma forma, quando estamos a atravessar uma rua e vemos um carro em alta velocidade a vir na nossa direcção, corremos para fora do seu trajecto, e não pensamos apenas: 'Isto é só um sonho, então pode atingir-me, porque mesmo que me magoe, não importa'.

Qualquer que seja a filosofia que possamos professar, na prática há uma série de coisas que são importantes para nós neste mundo: quando estamos com forme, a comida é importante para nós; quando estamos com sede, a água é importante para nós; quando estamos com frio e molhados, um abrigo quente e seco ou pelo menos alguma roupa adequada é importante para nós; se fossemos forçados a trabalhar 18 horas por dia numa confecção exploradora por um salário insuficiente para sustentar a nossa família, seria importante para nós; se fossemos recrutados contra a nossa vontade para lutar como um soldado numa guerra, seria importante para nós; se tivéssemos nascido como um animal de uma fábrica de produção pecuária, mantidos toda a nossa vida numa pequena gaiola para produzir leite ou ovos ou para sermos engordados como carne e finalmente abatidos nas condições brutais de um matadouro moderno, seria importante para nós. 

Se as condições que afectam a qualidade, o conforto ou conveniência da nossa vida como pessoa são tão importantes para nós, não deveríamos também estar preocupados com as condições que afectam outras pessoas ou animais?  Se não gostamos de sofrer, não deveríamos também pelo menos tentar evitar causar sofrimento a qualquer outro ser senciente?

Se praticarmos a auto-investigação e assim enfraquecermos o apego à pessoa que agora experienciamos como "eu", o nosso senso de distinção entre 'eu' e 'outros' também vai começar a dissolver-se, por isso iremos automaticamente sentir compaixão pelos sofrimentos dos outros, como se nós mesmos estivéssemos experimentando esses sofrimentos, e portanto iremos naturalmente aderir à prática de ahiṁsā (tentar não prejudicar qualquer ser senciente), e iremos fazer tudo o que pudermos para aliviar o sofrimento onde quer que o virmos ou soubermos que existe. Como Sri Ramana diz no final do parágrafo dezanove de Nāṉ Yār? (Quem sou eu?):



பிறருக் கொருவன் கொடுப்ப தெல்லாம் தனக்கே கொடுத்துக்கொள்ளுகிறான். இவ் வுண்மையை யறிந்தால் எவன்தான் கொடா தொழிவான்?
piṟarukku oruvaṉ koḍuppadu ellām taṉakkē koḍuttu-k-koḷḷugiṟāṉ. i-vv-uṇmaiyai y-aṟindāl evaṉ-dāṉ koḍādu oṙivāṉ? 

Tudo o que se dá aos outros está-se dando apenas a si mesmo. Se [todos] soubessem esta verdade, quem na verdade permaneceria sem dar?



6.  Não devemos ser demasiado preocupados com injustiças ou outros assuntos
     mundanos

No entanto também devemos ter em mente o que ele escreveu nas duas frases anteriores:


பிரபஞ்ச விஷயங்களி லதிகமாய் மனத்தை விடக் கூடாது. சாத்தியமானவரையில், அன்னியர் காரியத்திற் பிரவேசிக்கக் கூடாது.
pirapañca viṣayaṅgaḷil adhikam-ay maṉattai kūḍādu Vida-k. sāddhiyamāṉa-varaiyil, aṉṉiyar kāriyattil piravēśikka-k kūḍādu.

Não é apropriado deixar a [sua] mente [alongar-se] excessivamente em assuntos mundanos. Na medida do possível, não é apropriado entrar [ou interferir] nos assuntos de outras pessoas.


Uma vez que o principal objectivo da nossa vida deve ser investigar a nós mesmos, não devemos passar muito tempo preocupando-nos com as numerosas injustiças e sofrimentos que vemos neste mundo, porque se fizermos isso vamos assim ser distraídos para longe da nossa auto-investigação.

Portanto precisamos manter um equilíbrio, entre a nossa responsabilidade interior para tentar experienciar o que realmente somos, e tudo que temos de responsabilidades exteriores para com este mundo do qual experienciamos a nós mesmos como uma pequena parte. Devemos sempre dar prioridade à investigação de nós mesmos, mas enquanto experienciamos a nós mesmos como uma pessoa, vamos sentir que também temos de dedicar algum tempo e atenção a assegurar alimento, roupa e abrigo de que o nosso corpo precisa, e ao fazê-lo devemos tentar evitar causar qualquer dano a qualquer outro ser senciente, e devemos sentir que qualquer que seja o dano que podemos causar aos outros, intencionalmente ou não-intencionalmente, na verdade estamos a causar a nós mesmos.



7.  Enquanto a nossa mente está voltada para fora devemos preocupar-nos com o
     bem-estar dos outros

Se estivéssemos tão desapegados da nossa vida como uma pessoa, que fossemos capazes de dedicar a maior parte do nosso tempo e atenção para investigar a nós mesmos e só o estritamente necessário para suprir as necessidades básicas do nosso corpo,  não devíamos permitir a qualquer outra coisa distrair-nos da nossa auto-investigação. No entanto, se formos honestos com nós mesmos, penso que a maioria de nós terá que admitir que ainda estamos demasiado ligados à nossa vida como uma pessoa, porque o nosso gosto de experienciar outras coisas do que nós mesmos ainda é muito forte, por isso não somos capazes de dedicar todo o nosso tempo livre e atenção à auto-investigação, e portanto gastamos o nosso tempo e atenção  não só na auto-investigação e em prover às necessidades mínimas do nosso corpo, mas também em muitos outros pensamentos e actividades desnecessários.

Quando for o caso, devemos ter cuidado para que as nossas actividades externas não causem nenhum dano directa ou indirectamente a qualquer outra pessoa ou animal. Além disso, porque estamos a gastar algum do nosso tempo a prestar atenção ao mundo que nos rodeia, vamos inevitavelmente perceber nele inúmeras injustiças e várias formas de sofrimento, e apesar de podermos fazer muito pouco para rectificar essas injustiças ou aliviar todo esse sofrimento, sempre que podemos fazer pelo menos um pouco, o nosso sentido natural de compaixão vai levar-nos a fazer tudo o que pudermos.

Se fossemos tão insensíveis à compaixão que não só nunca tentássemos corrigir qualquer injustiça nem aliviássemos qualquer sofrimento, mas também não nos importássemos de tentar evitar causar qualquer dano, isso indicaria um ego muito forte -  que acredita firmemente na falsa distinção entre 'eu' e 'outros', e que não está disposto a investigar a si mesmo, a base dessa distinção. Apenas um ego forte e não-refinado se preocupa só com o seu próprio bem-estar e permanece indiferente ao bem-estar dos outros.

Quando escrevo tudo isto, não estou a tentar dizer que devemos fazer de fazer do bem neste mundo a nossa maior prioridade. Se queremos acabar com todas as injustiças e sofrimento, precisamos acordar deste sonho, por isso investigar a nós mesmos deve ser a nossa principal prioridade. Mas como ainda estamos tão apegados a sonhar que ainda não estamos dispostos a destruir o nosso ego fundindo-nos de novo com a  fonte  - o "Eu" puro livre de adjuntos - da qual emergimos, estaríamos a iludir-nos ainda mais se agíssemos como se fôssemos a única pessoa que importa neste mundo, e estaríamos assim a fortalecer o nosso ego.

Na medida em que nos preocupamos com os outros, nessa medida pelo menos o nosso ego é diminuído. No entanto, preocupar-nos com os outros obviamente não é um meio suficiente para destruir o nosso ego completamente, porque preocupar-nos com os outros pressupõe a sua existência, e enquanto outros parecem existir o nosso ego deve existir também para experienciar a sua aparente existência. A fim de destruir a ilusão de que há outros separados de nós, precisamos investigar a nós mesmos para descobrir se realmente somos esta pequena pessoa que agora parecemos ser.

Mas até destruirmos dessa forma o nosso ego, a ilusão de que outros existem permanecerá, e esses outros parecerão ser tão reais quanto a pessoa que agora experienciamos como "eu". Por isso as suas alegrias e sofrimentos parecerão ser tão reais quanto as nossas, e portanto devemos importar-nos tanto com eles pelo menos tanto como nos importamos com o nosso eu pessoal, e podemos ser justificadamente indiferentes às suas alegrias e sofrimentos só na medida em que somos genuinamente indiferentes às nossas.



8.  Para manter o nosso ego sob controlo devemos ser vigilantes, auto-atentos

No seu e-mail expressa a sua preocupação de que cuidar do sofrimento dos outros neste sonho chamado 'estado de vigília' vai criar um 'ego mais espiritualizado' e tornar este sonho e o fazedor individual parecer mais real: 
Esta maneira de ver o estado de vigília não cria subtilmente um ego mais espiritualizado? Eu sou melhor do que tu. Eu não como carne. Eu assino petições por água e ar limpos. Eu luto contra o trabalho infantil. Não estamos nessa altura a tornar o fazedor individual mais real?

O que quer que podemos fazer ou não fazer neste sonho, temos sempre que ser vigilantes sobre o crescimento subtil do ego, porque a natureza do nosso ego é iludir-nos, e usa inúmeros truques para o fazer. Portanto, o perigo de que fala é muito real, e a única salvaguarda que temos contra ele é perseverar na investigação de nós mesmos tanto quanto possível.

Se a única pessoa com quem nos preocupamos é nós mesmos, isso é certamente egoísta, mas mesmo se cuidarmos dos outros, o nosso ego pode tomar isso como um pretexto para aumentar o seu próprio orgulho ou ser moralista. Na verdade, sempre que atendemos a qualquer outra coisa que não o nosso ser essencial, o nosso ego vai encontrar uma maneira ou outra de se alimentar e sustentar. Por isso, a única solução para este problema de ego é a prática persistente da auto-investigação: isto é, ser auto-atento de forma constante e vigilante.

Esta prática simples da auto-atenção por si só resolverá todos os problemas (e também todos os problemas deste mundo, que parece existir e ser real apenas enquanto o estamos a experienciar), então além de tudo o mais que podemos fazer neste sonho a que chamamos vida, devemos ter cuidado para não negligenciar esta prática. Mesmo enquanto realizamos outras actividades, devemos tentar lembrar-nos de ser atentamente conscientes do "Eu" ( nosso ser essencial), e no meio de todas as actividades, devemos reservar algum tempo para tentar ir fundo na experiência de pura auto-consciência - a consciência de nada mais do que apenas nós mesmos.

O nosso ego vem à existência e é sustentado apenas por pramāda ou auto-negligência, por isso vai diminuir e ser mantido sob controlo apenas na medida em que formos auto-atentos. Qualquer acção que praticamos implica atender a algo diferente de nós mesmos, e na medida em que estamos a atender a qualquer outra coisa, não estamos a atender a nós mesmos. Portanto, todas as acções que fazemos pela mente, fala ou corpo tendem a sustentar e nutrir o nosso ego, e só a auto-atenção pode enfraquecê-lo e fazê-lo desaparecer em nós mesmos, a fonte da qual se originou.

Como Sri Ramana diz no versículo 25 de Uḷḷadu Nāṟpadu:


உருப்பற்றி யுண்டா முருப்பற்றி நிற்குமுருப்பற்றி யுண்டுமிக வோங்கு — முருவிட்டுருப்பற்றுந் தேடினா லோட்டம் பிடிக்குமுருவற்ற பேயகந்தை யோர்.
uruppaṯṟi yuṇḍā muruppaṯṟi niṟkumuruppaṯṟi yuṇḍumiha vōṅgu — muruviṭṭuruppaṯṟun tēḍiṉā lōṭṭam piḍikkumuruvaṯṟa pēyahandai yōr.

பதச்சேதம்: உரு பற்றி உண்டாம்; உரு பற்றி நிற்கும்; உரு பற்றி உண்டு மிக ஓங்கும்; உரு விட்டு, உரு பற்றும்; தேடினால் ஓட்டம் பிடிக்கும், உரு அற்ற பேய் அகந்தை. ஓர்.
Padacchēdam (separação das palavras): uru paṯṟi uṇḍām; uru paṯṟi niṯkum; uru paṯṟi uṇḍu miha ōṅgum; uru viṭṭu, uru paṯṟum; tēḍiṉāl ōṭṭam piḍikkum, uru aṯṟa pēy ahandai. ōr.

அன்வயம்: உரு அற்ற பேய் அகந்தை உரு பற்றி உண்டாம்; உரு பற்றி நிற்கும்; உரு பற்றி உண்டு மிக ஓங்கும்; உரு விட்டு, உரு பற்றும்; தேடினால் ஓட்டம் பிடிக்கும். ஓர்.
Anvayam (palavras rearranjadas na ordem de prosa natural): uru aṯṟa pēy ahandai uru paṯṟi uṇḍām; uru paṯṟi niṯkum; uru paṯṟi uṇḍu miha ōṅgum; uru viṭṭu, uru paṯṟum; tēḍiṉāl ōṭṭam piḍikkum. ōr.


Tradução: Tomando forma, o ego-fantasma surge; tomando forma permanece [ou perdura]; agarrando-se e alimentando-se da forma cresce [ou prospera] abundantemente; deixando [uma] forma, toma [outra] forma. Se procurado [examinado ou investigado], desaparece. Investigue [ou saiba assim].


Aqui உரு பற்றி (uru patri) ou ‘tomando forma’ significa atender a, ou experimentar algo diferente de nós mesmos, porque nós mesmos somos sem forma, uma vez que neste contexto uma 'forma' é tudo o que tem quaisquer características que o distinguem de algum modo, quer de nós mesmos ou de outras coisas. Portanto, o que Sri Ramana quer significar neste versículo é que nós surgimos ou vimos à existência como um ego só por atendermos a qualquer coisa que não a nós mesmos e que ao continuar  a atender a outras coisas nós sustentamos e alimentamos a ilusão de que somos este ego, mas que se em vez disso tentamos atender apenas a nós mesmos, essa ilusão 'vai tomar voo' - ou seja, o nosso ego vai diminuir e desaparecer em nós mesmos, a fonte de onde tinha surgido. 

Uma vez que nós mesmos somos sem forma, não podemos continuar a experienciar a nós mesmos como este ego se atendermos e assim experienciarmos apenas a nós mesmos. E por outro lado não podemos deixar de experienciar a nós mesmos como este ego enquanto persistirmos em atender e experienciar algo que não nós mesmos. Portanto a auto-negligência sustenta o nosso ego, e só a auto-atenção o pode subjugar e destruir. Assim o único meio pelo qual podemos efectivamente manter o nosso ego sob controlo e impedi-lo de nos iludir é ser auto-atento de forma constante e vigilante.




9.  Quem é responsável pela criação deste mundo?

Em resposta ao e-mail que adaptei nas oito secções anteriores o meu amigo escreveu:


Há um ponto confuso ao qual estou sempre a regressar. Se tudo em última análise é um, e Brahma, o sonho não é Brahma também? E se o sonho também é Brahma não está tudo a desenrolar-se perfeitamente como Brahma quer que se desenrole?

A isto respondi:

Brahman não é outra coisa senão nós mesmos. É apenas um nome dado ao que realmente somos. Então se você diz que tudo se desenrola como brahman quer que se desenrole, isso significa que tudo se desenrola como você quer que se desenrole. Mas tudo isto é o que você realmente quer? Se é, então não há problema, e portanto não há necessidade de investigar quem sou eu.

Mas se vê algum problema seja neste mundo ou em si mesmo, então isto não é o que você realmente quer, então tem que corrigir a decisão errada que teve para criar tudo isto. Tudo isto veio à existência por sua decisão ou escolha, por isso a fim de rectificar a sua escolha precisa primeiro de saber exactamente o que é este "eu" em si que fez esta escolha. Agora aparenta ser o Jim, mas o Jim é uma parte da criação, então não pode ser o criador. Portanto se você é o criador, você não é o Jim, então quem é você?

Por isso, tudo volta ao mesmo ponto: o que cada um de nós precisa antes de tudo é saber quem realmente somos. Se primeiro investigarmos a nós mesmos e assim experienciarmos o que realmente somos, podemos então ver se qualquer criador, criação, mundo ou problemas ainda existem, e somente se existirem vamos então precisar de fazer alguma coisa sobre eles.



10.  Apenas em absoluto silêncio podemos experienciar quem realmente somos

Quando perguntei a Jim na minha resposta anterior, "Portanto se você é o criador, você não é o Jim, então quem é você?", ele respondeu-me dizendo entre outras coisas que ele é 'Satchitananda', 'a consciência que tudo permeia, livre da acção, sem apego, sem desejo, sem limite e imperturbável ', mas acrescentou:


Estou a tentar dizer-lhe o impossível. O que sou eu. O que você é. O que só existe. Além da mente do corpo. Além de Brahman, a consciência Crística, e todas as outras etiquetas e conceitos que apontam para o indizível, a presença incognoscível que somos. O que sou eu?? O que sou eu? Sei que não sou este saco de carne e ossos carente, imperfeito, inseguro, defeituoso que parece sofrer e a quem chamamos Jim.

Ao que eu respondi:

Quando perguntei 'você não é o Jim, então quem é você?' não era uma pergunta para a qual esperava uma resposta em palavras, porque não há palavras ou ideias para poder responder a ela. A resposta só pode ser encontrada dentro de nós mesmos, por perder a nós mesmos em nós mesmos (ou seja, por perder o nosso ego naquilo que realmente somos).

Sat-cit-ānanda (ser - consciência - bem-aventurança), a consciência que permeia tudo e tudo aquilo que você diz que é são tudo ideias apenas - ideias que Jim tem acerca do que ele realmente é - assim como pode qualquer uma delas ser o que você realmente é. O que você realmente é não pode ser adequadamente expresso por quaisquer ideias ou palavras, quer expressas afirmativamente (eu sou isso) ou negativamente (eu não sou isto), mas só pode ser experienciado por si apenas na profundeza do silêncio absoluto.

A fim de experienciar a nós mesmos como realmente somos, devemos cada um de nós retirar a nossa atenção de tudo o mais (que é tudo mero ruído criado pela nossa mente), levando-a de volta para nós mesmos apenas e assim permitir-lhe que mergulhe profundamente em nós mesmos, a sua fonte (que por si só é silêncio absoluto). Por outras palavras, saber quem você é, Jim e todas as suas ideias (incluindo a sua ideia de que Jim é apenas um fantasma) deve findar, e só o "eu" sempre silencioso e perfeitamente consciente de si mesmo deve permanecer.



http://www.happinessofbeing.com/michael_james.html





Tradução: Blog Texto Meditativo