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Oh! Arunachala! Graciosamente vive para sempre
protegendo devotos indefesos como eu (de tal forma) que
alcancem a Bem-aventurança.
ॐ
ARUNACHALA AKSHARAMANAMALAI
Grinalda de noivado de poemas para Arunachala - Poema 105
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Sexta-Feira, 24 Janeiro 2014
Num comentário no meu recente artigo Investigar o "eu" é a pesquisa científica mais radical, R Viswanathan citou Nochur Venkataraman dizendo: "um grande filósofo afirmou eu penso e por isso existo, mas deveria ser eu sou e por isso eu penso", e também se referiu a isto num e-mail, ao que eu respondi:
Um comentário que Bhagavan Sri Ramana fez acerca desta famosa conclusão de Descartes, "Cogito ergo sum" (Penso, logo existo), foi relatado por Lakshmana Sarma no versículo 166 de Sri Ramana Paravidyopanishad:
A existência do seu próprio ser é inferida por alguns por uma operação mental, pelo raciocínio, "Penso, logo existo". Estas pessoas são como aqueles patetas que ignoram o elefante que passa, e ficam convencidos depois ao olhar para as pegadas!
'Eu sou' é auto-evidente - na verdade, é a única coisa que é totalmente auto-evidente, porque é evidente para si mesma em vez de para qualquer outra coisa, enquanto que todas as outras coisas supostamente auto-evidentes são evidentes apenas para a mente que as experiencia, e a mente experiencia-as como algo diferente de si mesma - assim só aqueles que não reconhecem este facto óbvio acreditariam que precisamos pensar, a fim saber "eu sou" ou afirmar logicamente que "eu sou".
Assim como a passagem de um elefante é óbvia para qualquer transeunte, também o facto de que "eu sou" é óbvio para todos nós. Portanto, assim como um transeunte não precisa ver as pegadas do elefante para se convencer de que ele acabou de passar, não devemos imaginar que precisamos pensar a fim de saber "eu sou".
"Eu sou" é na verdade a única realidade de auto-experiência, e tudo o mais que é experienciado é experienciado só porque "eu sou" está presente para o experienciar. Portanto, não só "eu sou" é auto-evidente, mas também se torna evidente por tudo aquilo que é experienciado. É só nesse sentido que "eu penso, logo existo" é verdade: se eu não existisse, eu não conseguia pensar, acreditar, duvidar, apreender, percepcionar, experienciar ou conhecer alguma outra coisa, então tudo é evidência irrefutável de que "eu sou".
No entanto, todas essas evidências são apenas evidências secundárias, porque a principal evidência de que "eu sou" é que eu experiencio "eu sou". Tudo o resto é experienciado por algo diferente de si mesmo, portanto poderia ser uma ilusão, enquanto que "eu sou" é experienciado por si mesmo, portanto não pode ser uma ilusão. A fim de experienciar qualquer coisa, quer eu próprio ou outra coisa qualquer, e quer seja real ou ilusória, eu devo existir, por isso o facto de que "eu sou" é o único facto que é absolutamente indubitável e irrefutável.
Se Descartes tivesse procurado uma evidência primária em vez de uma evidência secundária, não teria precisado de seguir a via da lógica circular ao concluir "Penso, logo existo", mas poderia em vez disso ter tomado a via da lógica directa de concluir:
Eu experiencio "eu sou", logo existo.
Embora possa parecer igualmente verdadeiro e mais simples de argumentar, "eu experiencio, logo existo", por várias razões acredito que é preferível enfatizar a experiência de "eu sou", em vez de apenas alguma experiência: em primeiro lugar, porque todas as outras experiências acarretam esta experiência "eu sou", de modo que esta última é a nossa experiência primária e a fundação da primeira; em segundo lugar, porque a afirmação "eu experiencio" tende a sugerir uma experiência de algo diferente de "eu sou", uma vez que geralmente tomamos a experiência de "eu sou" como um dado adquirido; e em terceiro lugar, porque ao enfatizar a experiência de "eu sou" mantém o argumento mais focalizado, uma vez que o protege de se envolver e enredar em qualquer consideração que não seja aquela (ou seja, qualquer experiência de qualquer coisa que não seja "eu sou").
Pensar (ou experienciar o pensamento) não implica que pensar é real, porque embora pareça que experienciamos pensar, pensar poderia ser uma ilusão. Exceptuando "eu sou", qualquer outra coisa que é experienciada poderia ser uma ilusão, mas "eu sou" (o facto de que eu existo) não pode ser uma ilusão, porque a fim de experienciar qualquer coisa - seja "eu sou" ou outra coisa qualquer - eu devo existir. Portanto experienciar que "eu sou" implica que "eu sou" é real e não meramente uma ilusão. Daí a evidência primária e fundamental à nossa disposição que "eu sou" é a nossa experiência de que "eu sou", e qualquer outra coisa que nós experienciamos é apenas uma evidência secundária e supérflua de que "eu sou".
A experiência "eu penso" implica logicamente o facto de que "eu sou", mas não implica que é necessário o pensamento para "eu" ser, ou para "eu" experienciar que "eu sou". Ou seja, a experiência "eu sou" não implica logicamente "eu penso", embora a experiência "eu penso" implica logicamente "eu sou".
Todas as experiências implicam a experiência fundamental "eu sou", porque sem algo que experiencia, não poderia haver nenhuma experiência, e esse algo que experiencia qualquer outra coisa experiencia a si mesmo como "eu sou". O que quer que possamos experienciar, sempre o experienciamos como "eu estou a experienciar isto".
Portanto, qualquer experiência implica logicamente a experiência "eu sou". Qualquer experiência que não seja a nossa experiencia fundamental "eu sou" é contingente, e portanto não é logicamente nem metafisicamente necessária, ao passo que tanto a experiência como o facto de que "eu sou" são ambos logicamente e metafisicamente necessários em qualquer experiência.
Apesar de falarmos no facto de que "eu sou" (nossa existência ou ser) e na experiência de "eu sou" (a experiência, percepção ou consciência da nossa existência ou ser) como se fossem duas coisas distintas, na verdade esse não é o caso, porque o "eu" que existe não é diferente do "eu" que experiencia a sua existência como "eu sou". O "eu" que existe e o "eu" que experiencia são uma e a mesma coisa, e a natureza essencial deste único "eu" é não apenas existir mas também experienciar: se ele não existisse, não poderia experienciar, e se não experienciasse, não poderia existir (porque "eu", o pronome de primeira pessoa, e "sou", a forma de primeira pessoa do verbo "ser", cada um implica a existência de algo que experiencia, uma vez que tudo o que não experiencia não poderia estar ciente da sua existência como "eu sou"). .
Esta verdade simples e óbvia foi expressa por Sri Ramana no versículo 23 de Upadesa Undiyār:
உள்ள துணர வுணர்வுவே றின்மையி
னுள்ள துணர்வாகு முந்தீபற
வுணர்வேநா மாயுள முந்தீபற.
Por causa da não-existência de [qualquer] consciência (unarvu) outra [do que o que é] para saber o que é (ulladu), o que é é consciência. [Nós] existimos como "consciência apenas [é] nós".
Neste versículo a palavra உள்ளது (ulladu: "ser" ou "o que é") denota a única coisa que existe necessariamente, nomeadamente "eu sou". O que conhece ou experiencia este "eu sou" não pode ser outra coisa senão ele mesmo, por duas razões: em primeiro lugar, se உணர்வு (unarvu: "o que é consciente" ou "o que experiencia") fosse outra coisa que não o que é, não existiria e portanto não poderia experienciar ou ser consciente de nada; e em segundo lugar, se o que experiencia "eu sou" fosse diferente de "eu sou", a sua experiência disso não seria "eu sou" mas "é".
O facto de que experienciamos "eu sou", que é "o que é" (ulladu), logicamente implica o facto de que existimos, por isso tanto somos o que é (ulladu) como o que experiencia (unarvu). Isto é o que Sri Ramana indica na última frase deste versículo, em que ele diz: Nós existimos como "unarvu apenas [é] nós". Por outras palavras, nós somos ambos "o que é" (ulladu) e "o que experiencia" (unarvu), de modo que o "eu" que existe e o "eu" que experiencia a sua existência são um e o mesmo "eu", que é a única coisa que com toda a certeza existe e é auto-evidente.
No entanto, apesar do facto de que eu sou é certo e além de toda a dúvida, exactamente o que eu sou parece-nos neste momento ser incerto e duvidoso, porque confundimos o que somos com algumas das coisas que experienciamos. Ou seja, confundimos o experienciador, "eu sou", com certos objectos que ele experiencia, tais como um corpo e uma mente, e como resultado parece-nos que somos duas coisas cujas naturezas são bem diferentes e até opostas uma à outra: parecemos ser tanto um corpo físico (algo composto de matéria não consciente, um conjunto de substâncias químicas simples e complexas, que se acredita que consistem em átomos constituídos de protões, neutrões, electrões e outras partículas subatómicas) e uma mente pensante (algo que é consciente e portanto não-físico).
Embora agora experimentemos um determinado corpo como se fosse "eu", não experimentamos sempre o mesmo corpo como "eu": no nosso presente estado de vigília experienciamos este corpo como "eu", enquanto que no sonho experienciamos outro corpo como "eu", o que sugere que não somos realmente qualquer um destes corpos, porque na vigília experienciamos "eu" sem experienciar qualquer corpo do sonho, e no sonho experienciamos "eu" sem experienciar o nosso presente corpo do estado de vigília. Logicamente, se podemos experienciar "eu" sem experienciar um corpo particular (quer o nosso presente corpo do estado de vigília ou algum outro corpo do sonho), "eu" e esse corpo não podem ser idênticos, porque para que duas coisas sejam idênticas (ou seja, uma e a mesma coisa), tudo o que é verdade para uma deve igualmente ser bem verdade para a outra. Se em algum momento eu experiencio "eu" mas não experiencio este corpo físico, então este corpo físico não pode ser "eu" mas deve ser algo diferente disso.
Além disso, não experienciamos só estes dois estados, vigília e sonho, mas também um terceiro estado, sono profundo, no qual não experienciamos nem um corpo nem uma mente como "eu". Embora no sono experienciemos o não-aparecimento de qualquer mente, corpo ou mundo, nós (a coisa que experiencia a si mesma como "eu sou") não deixa de existir, porque se então não existíssemos não poderíamos experienciar o não-aparecimento de todas as outras coisas, e portanto não estaríamos conscientes de jamais ter estado nesse estado a que agora chamamos de sono profundo. Ou seja, se não experienciassemos o sono profundo como um estado no qual não experienciamos algo diferente de "eu sou", não experienciaríamos o sono profundo de todo, porque seria um estado completamente desprovido de qualquer experiência ou de qualquer coisa que o pudesse experienciar; e se assim não experienciassemos o sono profundo de todo, agora só teríamos conhecimento de sempre ter estado ou num ou noutro dos dois outros estados, vigília e sonho.
Contudo, na verdade, nós fazemos a experiência não só dos estados de vigília e de sonho, mas também do estado de sono profundo, e portanto estamos cientes de que alternamos entre estes três estados. Na vigília e no sonho experienciamos a nós mesmos como um corpo e mente, e no sono profundo experienciamos a nós mesmos sem nenhuma experiência de um corpo, uma mente ou outra coisa qualquer. Portanto aquilo que experiencia a sua própria existência como "eu sou" continua assim a existir e a experienciar a si mesmo ao longo de todos estes três estados alternados.
O sono profundo é geralmente mal interpretado como sendo um estado no qual não experienciamos coisa alguma (um estado de chamada "inconsciência"), mas na verdade seria mais apropriado descrevê-lo em termos mais positivos como um estado em que experienciamos nada diferente de "eu sou". Esta diferença entre "não experienciar nada" e "experienciar nada" pode ser entendida de forma mais clara ao considerar a diferença entre a experiência de uma pessoa cega e de uma pessoa com vista normal quando estão ambas numa sala completamente às escuras: enquanto a primeira não veria coisa nenhuma, e portanto não poderia distinguir a escuridão da luz, a última veria nada, e portanto poderia reconhecer a ausência de luz. A inconsciência é uma completa ausência de qualquer experiência, por isso é comparável à cegueira, em que há uma completa ausência de qualquer experiência visual, ao passo que o sono é um estado em que experimentamos o não-aparecimento de qualquer outra coisa (qualquer mente, corpo ou mundo), por isso é comparável à condição de uma pessoa com visão normal num quarto completamente escuro, porque essa pessoa tem uma experiência visual de escuridão. Assim como qualquer pessoa com visão normal pode ver e reconhecer a escuridão e assim é capaz de a distinguir da luz, nós experienciamos e podemos reconhecer o não-aparecimento de nada no estado de sono profundo e assim somos capazes de distinguir o estado de sono profundo, dos estados de vigília ou de sonho.
Por conseguinte o estado de sono profundo ilustra o facto de que podemos experienciar "eu sou" mesmo quando não experienciamos "eu penso", portanto embora seja verdade que porque eu agora penso eu devo existir, a nossa experiência e conhecimento que "eu sou" não é de forma alguma dependente da nossa experiência "eu penso". Portanto a afirmação "eu penso, logo existo" é colocar o carro à frente dos bois. Quer aconteça de eu pensar ou não, a minha experiência fundamental é "eu sou", e esta experiência por si só é evidência suficiente para provar que eu sou, porque eu não poderia experienciar nada se eu não existisse.
Tendo concluído "Penso, logo existo", Descartes foi depois confrontado (na 'Segunda Meditação' das suas Meditações sobre a Filosofia Primeira) com a seguinte questão lógica: "O que então sou eu?". No entanto, tendo escolhido esse caminho desnecessariamente sinuoso para chegar à conclusão certa "eu sou", o que ele concluiu como resposta à pergunta "O que então sou eu?" foi que "eu" é uma res cogitans: uma "coisa pensante" ou "coisa que cogita". Esta é uma conclusão injustificada e portanto duvidosa, porque se fosse verdade, isso significaria que só existimos quando pensamos, e que deixamos de existir sempre que deixamos de pensar, como no sono profundo. Embora pensar implique ser (e portanto "eu penso" implica "eu sou"), ser não implica pensar (e portanto "eu sou" não implica "eu penso"), por isso não é de todo óbvio que eu sou só uma coisa que pensa.
O que é certo e evidente é "eu sou", não "eu penso", porque tal como tudo o mais que experienciamos que não seja "eu sou", o pensamento poderia ser apenas uma aparência e não real. Embora outras coisas que não "eu sou" pareçam existir, o facto de que elas parecem existir não significa que elas realmente existem. Elas parecem existir porque são experienciadas por "eu", mas muitas coisas que são experienciadas por "eu" (como as coisas que ele experiencia nos sonhos, alucinações e ilusões) não existem realmente. Existência aparente não é portanto garantia de existência efectiva. Assim, apesar de o pensamento parecer ocorrer, pode não ser real, e se não é real - se realmente não ocorre mas apenas parece ocorrer - não sou realmente uma coisa pensante, mas algo que nos estados de vigília e de sonho meramente parece pensar.
Enquanto que outras coisas certamente não existem, mesmo que pareçam existir, "eu" certamente existe, porque ele experiencia a sua própria existência, o que ele não poderia fazer se não existisse. Outras coisas, como o pensamento, não existem certamente porque não experienciam a sua própria existência, mas são experienciadas apenas por "eu". Portanto, com base na nossa experiência, podemos dizer que "eu" existe necessariamente, mas que nada mais existe necessariamente, porque a sua existência aparente poderia ser apenas uma aparência irreal.
Uma vez que apenas "eu sou" é certo, e uma vez que "eu penso" não é certo, há uma justificação insuficiente para concluirmos "eu sou uma coisa que pensa". Em vez de concluirmos que "eu" é uma "coisa que pensa" (uma coisa que realmente pensa), tudo o que podemos justificadamente concluir é que "eu" é uma "coisa que é" (uma coisa que realmente é) e uma "coisa que experiencia" (uma coisa que realmente experiencia). No entanto, embora este "eu" seja certamente uma coisa que experiencia, o que ele certamente experiencia é apenas a si mesmo, "eu sou", porque qualquer outra coisa que ele parece experienciar pode não ser real mas apenas uma aparência.
Porque Descartes concluiu que "eu" é uma "coisa que pensa" (ou seja, uma mente) e que é distinta de qualquer corpo físico, ele argumentou que a mente e o corpo são duas substâncias distintas, cada uma das quais pode existir independente da outra, e portanto ele era um metafísico dualista. Outros filósofos (na maioria dos quais são metafísicos monistas de uma variedade ou outra) discordaram dele, argumentando quer que todos os fenómenos físicos são apenas ideias e portanto compostos de substância mental, quer que todos os fenómenos mentais são apenas actividades electroquímicas no cérebro e são portanto compostos de substância física.
Os filósofos formularam e continuam a formular inúmeros argumentos a favor e contra cada uma destas concepções metafísicas (que são chamadas respectivamente dualismo, idealismo e fisicalismo), e continuam a desenvolver variantes de cada um destes pontos de vista, ou alternativas a eles, assim como uma forma de monismo neutro que argumenta que a substância última de todas as coisas não é nem mental nem física, mas é a fonte comum e fundamento de ambas (embora poucos, se algum, dos filósofos ocidentais tenham alguma vez sugerido que essa fonte única e substância de todas as coisas é o que todos nós experienciamos como "eu sou"). No entanto, apesar de todos os esforços que os filósofos têm vindo a fazer há milhares de anos para responder a questões metafísicas e epistemológicas, nenhuma das suas deliberações ou argumentos os trouxe um pouco mais perto de encontrar a resposta certa para a pergunta fundamental: 'o que sou eu?' Portanto, o que todos os seus numerosos e mutuamente contraditórios argumentos ilustram é como é confuso e incerto o nosso conhecimento actual sobre 'o que eu sou'. Se cada um de nós soubesse claramente e com certeza 'o que eu sou', não haveria margem para dúvida, confusão ou discordância sobre isso, mas porque o nosso conhecimento actual de 'o que eu sou' não é claro e é incerto, dúvidas, confusão e discordância prevalecem.
Não podemos experienciar a nós mesmos claramente como realmente somos por raciocínio ou lógica, porque o raciocínio e a lógica só nos podem dar conhecimento conceptual (também conhecido como "teorias" ou "crenças"), mas não conhecimento experiencial. Embora o raciocínio ou a lógica possam ajudar-nos a compreender conceptualmente o que não somos - porque não podemos ser um corpo nem uma mente - eles não podem por si só capacitar-nos para nos experienciarmos a nós mesmos como realmente somos. Portanto, para obter conhecimento experiencial claro e certo de 'o que eu sou', é preciso investigar este "eu", esquadrinhando ou prestando-lhe atenção de uma forma aguda e vigilante. Este é o método de pesquisa empírica chamado ātma-vicāra ou auto-investigação, que Sri Ramana nos ensinou, o único meio pelo qual podemos experienciar a nós mesmos como realmente somos.
Enquanto experienciarmos algo diferente de "eu", a nossa experiência do que nós (este "eu") na verdade somos, é passível de ser nublado e incerto, e portanto estamos sujeitos a confundir algo diferente de "eu" como sendo "eu" (assim como agora experienciamos um corpo e uma mente como "eu"). Portanto para experienciarmos a nós mesmos claramente e sem qualquer confusão ou turvação, devemos tentar experienciar a nós mesmos em completo isolamento de todas as outras coisas.
A fim de experienciar qualquer coisa temos de prestar-lhe atenção (por escolha ou por a nossa atenção ser forçosamente atraída para ela), e quanto mais intensamente a nossa atenção estiver nela focada, mais claramente a vamos experienciar. Portanto, a fim de experienciar "eu" claramente temos de concentrar aí toda a nossa atenção tão profunda e intensamente quanto possível.
Quanto mais a nossa atenção está focada numa coisa, menos atendemos a ou percebemos qualquer outra coisa. Portanto, quanto mais focamos a nossa atenção no "eu", mais todas as outras coisas serão excluídas da nossa atenção. Por isso o nosso objectivo deve ser o de concentrar a nossa inteira atenção no "eu" tão profundamente, intensamente e de forma vigilante que tudo o resto é excluído da nossa atenção, consciência ou experiência.
Devido a um longo hábito estamos acostumados a prestar atenção a coisas que não são "eu", e a mudar a nossa atenção rápida e constantemente de uma coisa para outra, assim o nosso poder de atenção tornou-se um instrumento bastante rudimentar. Por isso embora nos pareça fácil atender a e experienciar objectos, que são numerosos e relativamente grosseiros, parece-nos difícil atender ao sujeito que experiencia, "eu", que é único e relativamente subtil. No entanto, quanto mais tentamos prestar atenção a este "eu" subtil, mais a nossa atenção vai ser afiada e refinada, e mais claramente seremos capazes de experienciar "eu" isolado de todas as outras coisas, incluindo todos os vários pensamentos, sentimentos e emoções que surgem na nossa mente.
Portanto, a fim de aguçar o nosso poder de atenção e assim o tornar suficientemente refinado para ser capaz de reconhecer o que este "eu" realmente é, precisamos de persistentemente tentar atender ao "eu". Quanto mais perseverarmos nesta prática, mais fácil será para nós manter a nossa auto-atenção sem sermos distraídos pela consciência de qualquer outra coisa, até que finalmente - de acordo com a experiência e testemunho de Sri Ramana - seremos capazes de experienciar "eu" de forma clara e em isolamento absoluto de todas as outras coisas, e assim iremos experienciar a nós mesmos como realmente somos.
A prática de atender ao "eu" é como acostumar os nossos olhos a reconhecer pequenos e subtis objectos na penumbra, ou acostumar a nossa língua a reconhecer sabores subtis ou o nosso nariz a reconhecer aromas subtis. Se tentarmos acostumar os nossos olhos ou outros sentidos dessa maneira, primeiro só vagamente e de forma incerta vamos reconhecer objectos ou sensações subtis, mas quanto mais perseverarmos em nos acostumar e treinar qualquer dos nossos sentidos, mais fácil se tornará para nós reconhecer o que estamos a tentar reconhecer (como é ilustrado pelo exemplo de treinados e experientes provadores de chá ou de vinho, que são capazes de reconhecer distinções subtis em sabor e aroma que a maioria de nós não seria capaz de reconhecer). Da mesma forma, quanto mais treinamos e habituamos o nosso poder de atenção a experienciar "eu" em isolamento de todas as outras experiências, mais fácil se tornará para nós reconhecer o que este "eu" realmente é.
De todas as coisas que experienciamos, a única coisa que é absolutamente certa, auto-evidente e indubitável é "eu sou", mas apesar de sabermos claramente que eu sou, não sabemos claramente o que eu sou. Portanto, é razoável concluir que se queremos atingir mais certo conhecimento, a primeira coisa que devemos investigar é o que este "eu" realmente é.
Por muita pesquisa que possamos fazer sobre qualquer outra coisa, nunca poderemos ter a certeza de que ela realmente existe e não meramente parece existir, ou que na verdade é como parece ser. Por exemplo, não podemos inteiramente descartar a possibilidade de que tudo o que vivemos neste estado de vigília (excepto "eu sou") é apenas uma criação mental, assim como é tudo o que vivemos num sonho, e se este for o caso, qualquer pesquisa científica ou outra que fazemos sobre qualquer coisa que agora experienciamos (excepto "eu sou") seria como fazer tal pesquisa sobre coisas que experienciamos num sonho. Portanto, qualquer conhecimento putativo (na forma de crenças ou teorias) que pareça que adquirimos em tal pesquisa será sempre incerto e duvidoso.
Portanto, a única esperança que temos de alcançar conhecimento absolutamente certo e indubitável em qualquer pesquisa que podemos fazer é a esperança de que podemos alcançar tal conhecimento fazendo pesquisa empírica sobre "eu": isto é, investigando quem ou o que eu sou. Se somos capazes de experienciar este "eu" como realmente é, vamos pelo menos livrar-nos da nossa confusão presente de que somos um corpo ou mente, e podemos razoavelmente esperar que (como Bhagavan Ramana nos assegurou com base na sua própria experiência) na ausência desta confusão fundamental saberemos com certeza se qualquer outra coisa que jamais experimentámos é real ou apenas uma aparência ilusória, como um sonho.
Etiquetas: Bhagavan Sri Ramana Maharshi, dream, philosophy of Sri Ramana, self-investigation (ātma-vicāra), sleep, Upadesa Undiyar
Uma vez um visitante perguntou a Ramana Maharshi:
"Quantas Upanishads [Textos Sagrados], é preciso ler
para se compreender o Ser?"
Bhagavan, no seu estilo habitual, respondeu:
"De quantos espelhos precisa
para ver o seu rosto?"
ॐ