sábado, 21 de setembro de 2013

Auto Conhecimento - II


Bhagavan Sri Ramana Maharshi



Fonte:


 Autor: Arvind Lal 




O Vidya da Vichara - II; "Quem ou De onde sou eu?"    


... Continuação da Postagem anterior: "Auto-Conhecimento - I"


As obras curtas de Bhagavan são realmente especiais. A sua concisão implica que Bhagavan só poderia incluir os aspetos fundamentais da prática, e apenas as teorias imperativas respetivas, em relação aos Seus ensinamentos. Então, as obras curtas de Bhagavan fornecem ao devoto uma visão única sobre o que o próprio Bhagavan considerava extremamente importante em relação à Sadhana. Isto é verdade em especial para um trabalho como Anma Viddai, que diz respeito ao Auto-Conhecimento, e que foi composto sem quaisquer influências contextuais.
Assim, as partes do hino que foram cortadas na Parte I, que compreende o enquadramento teórico fundamental para a prática, não são menos importantes. Elas não estão a ser especialmente consideradas nesta Postagem apenas porque pensei manter o foco nos aspectos práticos. Como exemplo, desejo mencionar o primeiro e sublime verso, que serve de introdução para todo o trabalho. Este verso fornece uma espécie de pré-requisito para a prática; o tema básico é de que o mundo é irreal, então não corra atrás dele. Isso é puro Advaita, o próprio Sankara poderia tê-lo escrito.

  1. Verdadeiro, forte, para sempre viçoso se ergue o Ser. É dele na verdade que surge o fantasma corpo e o fantasma mundo. Quando esta ilusão é destruída e nem uma partícula permanece, o Sol do Ser brilha resplandecente e real na vastidão do coração expandido. Trevas morrem, aflições terminam, e a Bem-aventurança brota.

Além disso, antes de começarmos o nosso debate, deixe-me dizer que estou consciente do facto de que cada um de nós teria desenvolvido o seu próprio estilo de fazer Vichara.  Uma prática espiritual desta natureza requer um alto nível de convicção por parte do sadhaka. Isso faz com que, naturalmente, sejam mantidos fortes pontos de vista sobre o que constitui a Vichara. Mas, ainda assim, creio eu, é importante a troca de ideias de vez em quando, uma maneira simples de aperfeiçoar e desenvolver a nossa prática. É com este espírito que  são apresentadas estas ideias sobre a Vichara, um trabalho muito humilde de partilha de opiniões. Permitam-me, contudo, apresentar sinceras desculpas no caso de alguém se sentir perturbado com alguma coisa apresentada aqui, ou na Parte I.


 O papel de "Quem sou eu?" ou "De onde sou eu?"


As instruções de Bhagavan no que diz respeito à prática da Vichara indicada no poema Anma Viddai são breves e simples:

“Inquirindo interiormente, pergunte ‘Quem sou eu? e de onde vem este pensamento ?’
Todos os outros pensamentos desaparecem.”

Pensei em pegar nesta instrução muito básica em primeiro lugar, na perspectiva de que ela não representa uma linha de pensamento fora do comum quanto à prática da Vichara, do seguinte modo:

<<<"Quem sou eu?" ou "De onde sou eu?" é apenas uma ferramenta para conduzir a mente de volta para o "Eu" interior. As instruções são: sempre que existe quebra de atenção e um pensamento surge, perguntar "para quem surgiu este pensamento?" A resposta é "para mim". Depois pergunte "Quem sou eu?", e assim a atenção recua, dirigida dos assuntos exteriores para o sentido de "Eu" interior. Mas se é possível, por outros meios, localizar e manter o sentimento de "Eu", "Quem sou eu?" não é necessário. Além disso, qualquer ferramenta alternativa para chamar a atenção para o "Eu" é igualmente boa, e pode ser usada com a mesma eficácia.>>>


Aqueles que praticam Vichara regularmente podem ter a experiência de que ao fim de algum tempo o sentido de "Eu" interior começa a aparecer quase instantaneamente. Então, 'Quem sou eu?" pode até nem ser necessário para iniciar a focagem no "Eu". Posteriormente, durante algum tempo "Quem sou eu?" pode ser usado ocasionalmente para enfrentar o problema das ondas de pensamentos externos que podem ainda inundar a mente. Mas, mesmo neste caso, para uns poucos, no devido tempo a mente fica treinada em pensar os pensamentos externos por uns minutos e em seguida desligar-se, retornando por si mesma ao pensamento "Eu". A inquirição "Quem sou eu?" passa a parecer de algum modo supérflua. Assim, para o praticante regular, é possível certamente focar a atenção no "Eu" sem o uso de "Quem sou eu?" Ou "De onde sou eu?"


(O acima exposto deriva das minhas conversas ao longo dos anos com pessoas que fazem Vichara regularmente. E também, devo confessar, da minha experiência pessoal. Houve uma fase em que eu fazia Vichara sem muito "Quem ou De onde sou eu?"; eu talvez dissesse mentalmente uma ou duas vezes, para iniciar, numa espécie de rotina de forma desprovida de qualquer intensidade. Percebi que  estava a "agarrar" o "Eu", sim, mas uns momentos depois sentia que na verdade não estava a chegar a lugar algum. A mente é tão arguta, ela faz só um pouquinho para embalar um pessoa, levando-a a pensar que algo está a ser alcançado...).


A abordagem acima descrita, na minha humilde opinião, é um recuo significativo da posição ideal. Muda o poderoso 'Inquira e Busque' de Bhagavan para a abordagem coxa 'Segurando o "eu"'. Usando a excelente comparação de Bhagavan do mergulhador de pérolas, o sadhaka então flutua na superfície do oceano, por assim dizer, mergulhando de vez em quando a cabeça debaixo de água, mas nunca mergulhando profundamente nas profundezas para encontrar a pérola escondida lá em baixo.


Estou a lutar para conseguir pôr esta ideia em palavras, mas aqui vai de qualquer modo: é evidente que existe um sentimento de "eu" localizável rápida e imediatamente pela maioria de nós, mesmo sem o "Quem sou eu?"; mas se o "Eu" interior é abordado com o sentido intensamente concentrado de inquirição e investigação contido nas expressões "Quem sou eu?" ou "De onde sou eu?", o sentido de "Eu", que surge, surge com uma leve mas significativa diferença em relação ao sentido "eu" de 'base' referido anteriormente. É como se surgisse um sentido composto, de "eu" e "Quem sou eu?" e "De onde sou eu?", todos juntos, uma sensação desconcertante no final, quando comparada com  a sensação que surge da outra forma; e que tem a tendência natural para mergulhar mais profundamente interiormente. É claro que não é como se existisse um "eu" diferente, que assim é encontrado. Mas parece que a intensa "intuição-interior" do sentido de "Quem ou De onde sou eu?", ao aproximar-se do "Eu", faz com que o "Eu" seja agarrado cada vez com mais força, sem esforço consciente adicional. Se usássemos a segunda excelente comparação de Bhagavan do cão procurando o seu dono seguindo o cheiro, o cheiro do "Eu", lenta mas seguramente, torna-se cada vez mais forte por si mesmo.



Afinal, quando buscamos a Fonte do "eu", não buscamos em qualquer local físico dentro do corpo, nem em qualquer outro lugarConsidera-se que o Coração está 'localizado' simplesmente no lugar até onde o "eu" pode ser rastreado. E o "eu" é rastreado, não de um local físico para outro dentro do corpo, por exemplo, mas sempre onde o "cheiro" do sinal nos leva. Assim, usando a comparação de Bhagavan, o cão fareja à distância o cheiro do dono, no chão, é verdade, mas ele é alheio ao chão que está percorrendo na sua busca; ele simplesmente vai por onde sente que o cheiro está a aumentar de intensidade. Da mesma forma, na minha humilde opinião, na Vichara tentamos excluir todos os aspectos locacionais de onde está o "eu", e persegui-lo em termos de - vamos para onde a intensidade do sentimento de "eu" é cada vez maior, alheios a tudo o mais. E isto acontece naturalmente se "Quem ou o De onde sou eu?" for intrínseco à nossa prática de Vichara.


Em praticamente toda a obra composta por Bhagavan, e numa grande fatia das conversas gravadas, o ensinamento da prática da Vichara tem sido, invariavelmente, 'pergunte "Quem sou eu?" ou "De onde sou eu?"'; Inquira, e busque a Fonte. Apenas raramente, sobretudo nas conversas, são mencionadas variações como "tente e esteja sem pensamentos", "segure o "Eu"(como acto distinto da busca da Sua Fonte)", "observe a respiração", "observe o intervalo entre dois pensamentos", e assim por diante. Acredito que Bhagavan insistia em ir-dentro através da via do "Quem ou o De onde sou eu?" porque, de uma forma não muito compreendida pelo sadhaka, o impacto interno é radicalmente diferente do que por outra viaAinda que, na verdade, isso tenha tornado a prática muito mais difícil. Assim, "Quem ou De onde sou eu?" é, certamente, também a 'ferramenta' para levar a atenção de volta para o "Eu" quando a mente vagueia; é, no entanto, muito mais do que isso, primeiro.
 
(Nota: Para aqueles que podem não estar familiarizados com as comparações de Bhagavan do 'mergulhador de pérolas' e do 'cão buscando o seu dono': são abordadas com mais detalhes na minha postagem "Arunachala Pancharatna Varttikam e Vichara"de 20 de Abril de 2012.)


Além disso, na minha humilde opinião, há outra razão para a utilização de "Quem ou De onde sou eu?", o tempo todo, quer seja necessário ou não. Na tradição Indiana cabe ao sadhaka seguir as instruções do Guru implícita e totalmente; esse é o seu principal dever. E o verdadeiro shishya (discípulo) fará isso sem nenhuma expectativa de recompensa, de qualquer tipo, nem mesmo da Graça do Guru. Bhagavan, de qualquer modo,  manteve de forma consistente que a Graça está sempre fluindo, sempre à disposição de todos, sem excepção. Mas de uma forma inexplicável, eu creio, as coisas melhoram se as instruções do Guru são seguidas ao ponto. E então, por que dar a Alguém a oportunidade, lá 'em cima', de dizer "mas ele nunca seguiu as instruções do seu Guru ..." 


Neste contexto, lembro-me das reminiscências de "Sundaram" (Swami Trivenigiri Sadhu), registadas no maravilhoso "Ramana Smriti Souvenir" [A partir da edição de 1980, publicado pelo Sri Ramanasramam; as páginas não são numeradas nesta edição que aqui tenho, mas o extrato a seguir é retirado do artigo "Cozinhados de Bhagavan", que se encontra a meio do livro]:

“Com o tempo, percebi que trabalhar com Bhagavan na cozinha não era meramente cozinhar, mas definitivamente uma forma de treinamento espiritual. A primeira lição de educação espiritual, a aprender para sempre, é obedecer ao Guru implicitamente, sem questionar ou no mínimo usar o próprio julgamento. Nada o faria tão feliz como quando ele via que tínhamos entendido este ponto essencial, que as instruções do mestre deviam ser imediatamente levadas a cabo, e não deviam ser adiadas pelo desejo de lhe agradar ou até mesmo de o fazer correctamente. Mesmo se soubéssemos de uma maneira melhor de o fazer, tínhamos de o fazer exatamente como o mestre nos tinha dito. Poderia ter parecido que, obedecendo-lhe, o trabalho iria ficar arruinado, mas ainda assim era preciso obedecer. É preciso dominar esta arte da obediência instantânea e inquestionável, pois o segredo da realização encontra-se na rendição absoluta e renúncia ao próprio julgamento.”

Que grandes palavras escritas por um homem muito simples!

E também a seguinte nota de Sampurnamma [de "Bhagavan na Cozinha", o mesmo Ramana Smriti Souvenir]:

“Enquanto seguíssemos as suas instruções, tudo correria bem com a nossa culinária. Mas no momento em que agíssemos por conta própria, estaríamos em apuros. Mesmo assim, se buscássemos a sua ajuda, ele iria provar o nosso preparado e dizer-nos o que fazer para tornar o alimento apto a ser servido. Cada pequeno incidente na nossa cozinha  continha uma lição espiritual para nós. Assim, aprendemos a arte da obediência implícita enquanto aperfeiçoávamos as nossas habilidades culinárias sob a orientação de Bhagavan.”

Deixe-me terminar esta parte citando a mesma instrução, como a de "Anma Viddai", de "Nan Yar?" (Sri Ramanasramam: versão de Q & A):

Q10. Como é que a mente se torna inactiva?

Resposta: Através da inquirição "Quem sou eu?". O pensamento "quem sou eu?" destruirá todos os outros pensamentos, e, como o pau usado para mexer a pira ardente, ele mesmo, no final, será destruído. Então, surgirá a Auto-realização.



…………

continua: Auto Conhecimento - III
Tradução: Blog Texto Meditativo

Fotos:  Blog Texto Meditativo


Recordações do Salão Grande
Sri Ramanashramam

















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