Autor: Arvind Lal
O Vidya da Vichara - III; "Anbu-punume"
... Continuação da Postagem anterior: "Auto-Conhecimento - II"
Na parte I desta série, mencionei que o Hino Anma Viddai contém uma instrução extraordinária relativa ao Auto-Conhecimento e à prática da Vichara. Esta instrução vem na última estrofe, que, recorde-se, foi composta por Bhagavan especialmente porque Ele queria incluir Sri Arunachala no hino. De facto, está no último verso do hino, tornando-se uma espécie de conselho de despedida de Bhagavan. O último verso, maravilhosamente rimado e musical, é:
“Arulum venume; Anbu-punume; Inbu tonume”
literalmente:
“Graça também é necessária; Ter Amor; A Bem-aventurança florescerá"
literalmente:
“Graça também é necessária; Ter Amor; A Bem-aventurança florescerá"
"Anbu-punume" é traduzida por diferentes estudiosos em diferentes versões do Hino Anma Viddai, como: "ser possuído de amor", "ter amor", "amor é adicionado", ou "o amor é necessário". Essencialmente, Bhagavan está a dizer no último verso do Seu hino que o "Amor" é um ingrediente essencial para o sucesso no Auto-Conhecimento, na prática de Vichara. Isto, na minha humilde opinião, é extraordinário e vale a pena um olhar mais atento.
A Graça é a contrapartida para o Amor?
Voltando aos diferentes comentários e traduções disponíveis de Anma Viddai, praticamente todas as versões ligam o ingrediente "ter Amor" a "Graça". No hino, "Anbu-punume" vem logo depois de "Arulum venume", e logo depois de o Senhor Arunachala ser mencionado. Esta é geralmente a forma como a Graça é compreendida: que a Graça da Entidade que você segue, adora, flui para si em troca do amor e da devoção que, como sadhaka e devoto, você tem demonstrado para com a referida Entidade. A extensão da Graça é proporcional ao amor que você coloca em acção. Alternativamente, você tem de amar na medida adequada o estado de Dei-dade, ou estado de Eu-dade, isto é, o estado da Entidade que para si é sagrada, de forma a ser Agraciado com esse estado.
A Graça é a contrapartida para o Amor?
Voltando aos diferentes comentários e traduções disponíveis de Anma Viddai, praticamente todas as versões ligam o ingrediente "ter Amor" a "Graça". No hino, "Anbu-punume" vem logo depois de "Arulum venume", e logo depois de o Senhor Arunachala ser mencionado. Esta é geralmente a forma como a Graça é compreendida: que a Graça da Entidade que você segue, adora, flui para si em troca do amor e da devoção que, como sadhaka e devoto, você tem demonstrado para com a referida Entidade. A extensão da Graça é proporcional ao amor que você coloca em acção. Alternativamente, você tem de amar na medida adequada o estado de Dei-dade, ou estado de Eu-dade, isto é, o estado da Entidade que para si é sagrada, de forma a ser Agraciado com esse estado.
Assim, os diferentes comentários sobre "Anbu-punume" alargam-se livremente por: "ter amor para Ser", "ter amor pelo Ser", "ter amor por Sri Arunachala Shiva (ou Deus em qualquer forma)" ou "ter amor por Bhagavan". Isto, então, permitiria à Graça tão necessária fluir do Ser, de Sri Arunachala, de Deus em qualquer forma, ou de Sri Bhagavan, conforme a escolha.
Pessoalmente, creio que esta é uma interpretação muito simplista. Em primeiro lugar, ela traz muita confusão para a Vichara. O ensinamento é buscar a Fonte, ou é demonstrar amor, devoção, e adoração para com a Divindade? Então por que buscar a Fonte? Basta mostrar intenso amor por Deus, essencialmente abraçar a devoção plena, ter o direito de receber a Graça, e já está?
Em segundo lugar, e mais importante, se pensarmos um pouco, devemos chegar à conclusão por nós próprios de que se a Graça fosse a contrapartida do amor por uma Entidade, ou de qualquer outra coisa além disso, então não seria "Graça", não é verdade? Bhagavan afirmou repetidamente que a Graça está sempre fluindo, a Graça está sempre disponível. Nos Seus ensinamentos, a Graça nunca é contrapartida de nada. Ela escolhe quem Ela escolhe (pelos Seus próprios critérios desconhecidos e insondáveis). Ele dizia que o próprio facto de você praticar Vichara é devido à Graça. Assim, a prática da Vichara qualifica-se como sendo o cumprimento de um dever obrigatório por parte do Sadhaka. A suprema expressão de amor por Ele, então, é fazer só Vichara. E, assim, não havia necessidade para Bhagavan de mencionar "amor", separadamente, em Anma Viddai, se fosse amor POR uma Entidade ou estado.
A instrução é para "juntar" amor durante a Vichara"?
Pode surgir a seguinte dúvida: Bhagavan está a dizer que quando buscamos a Fonte na Vichara, temos de "adicionar" amor ao processo? Gerar um sentimento de amor para com a Divindade ou o Ser? Para verificar isto (por favor não se riam), durante algumas cessões de Vichara, eu tentei "adicionar" amor quando me encontrava profundamente interiorizado, buscando a Fonte do "Eu". Durante essas tentativas, tive o cuidado de manter a emoção o mais pura possível, aquele amor pelo Divino, por Bhagavan, pelo Senhor Arunachala, pela Mãe Divina, e assim por diante. Na minha humilde opinião, não é possível fazer isso. A tentativa de gerar qualquer emoção quando nesse estado, ainda que seja a mais sattvika e pura das emoções, de imediato gera uma onda de movimento na mente que nos retira da Vichara. Então, estou absolutamente certo de que a expressão "o amor é necessário " NÃO é uma instrução para incluir "amor" durante a Vichara". A conclusão lógica óbvia, então, é: você tem que entrar no processo da Vichara vivenciando todos os sentimentos obrigatórios, conforme necessário, já enraizados em si, "Amor" incluído.
A importância de "Arulum venume; Anbu-punume"
Neste ponto, pode ser útil fazer uma pausa e ponderar porque é que o último verso de Bhagavan é importante. Já tive oportunidade de mencionar que acredito que ele representa o conselho final, de despedida no hino de Bhagavan. Também acredito que ele é dedicado ao sadhaka que faz Vichara sinceramente, tal como prescrito por Bhagavan, e que ao atingir um certo grau de sucesso na sua prática, é capaz de perseguir o "Eu" até que o sentimento "Eu" é muito forte dentro dele. Agora, ele chegou ao ponto em que os seus esforços não podem ir mais além. É quase como se houvesse uma porta que se recusa a abrir, por mais que ele se esforce (faz-me lembrar o fantástico lamento de Bob Dylan - "knock, knock, knockin’ on heaven’s door..." ("toc, toc, tocando à porta do Céu...").
Creio que este conselho de Bhagavan é dado para esse momento. Bhagavan está a dizer que todos os esforços levam a essa porta, e depois é tudo com a Graça; e com o "Amor" que vem incrustado em si. Com efeito, dado que a Graça está sempre presente e sempre fluindo, esse Amor incrustado torna-se a chave que abre a porta, ou corta o "cit-jada-granthi", citando o termo técnico por vezes usado por Bhagavan.
Pessoalmente, creio que Bhagavan se refere a um requisito profundo e fundamental no sadhaka: ter "Amor", por si só; "Amor", que é a outra face do Ser como sat-cid-ananda.
O que é este "Amor"?
Ironicamente, é não ter qualquer amor, isto é, amor que seja limitado e dirigido para qualquer entidade ou estado, Divino ou de outra forma. Para explicar isto, deixe-me citar este fascinante extrato do próprio Bhagavan:
(Fonte: "Cartas do Sri Ramanashramam" de Suri Nagamma: Carta nº 179, intitulada "O Caminho do Amor"; Um jovem perguntou a Bhagavan por que não amar a Deus e seguir o caminho do amor...)
“… Quem mais há para ser amado? O próprio Amor é Deus,” disse Bhagavan.“É por isso que lhe pergunto se Deus poderia ser adorado através do caminho do amor?” disse o interlocutor.“Isso é exatamente o que eu tenho dito. O próprio Amor é a verdadeira forma de Deus. Se ao dizer, ‘eu não amo isto; eu não amo aquilo’, você rejeita todas as coisas, o que permanece é Swarupa, isto é, o Ser inato. Isso é pura felicidade. Chame-o de pura felicidade, Deus, Atma ou o que quiser. Isso é devoção; isso é realização e isso é tudo”, disse Bhagavan.“O significado do que acabou de dizer é que devemos rejeitar todas as coisas exteriores que são más, e também todas as que são boas, e amar apenas a Deus. É possível a alguém rejeitar tudo, dizendo isto não é bom, aquilo não é bom, a não ser que o experimente?” disse outro.“Isso é verdade. Para rejeitar o mal, você deve amar o bem. No devido tempo, esse bem também irá parecer um obstáculo e será rejeitado. Assim, primeiro, você deve necessariamente amar o que é bom. Isso significa que você deve primeiro amar e depois rejeitar aquilo que ama. Se você, portanto, rejeitar tudo, o que resta é o Ser. Esse é o verdadeiro amor. Aquele que conhece o segredo desse amor encontra o próprio mundo cheio de amor universal”, disse Bhagavan e retomou o silêncio.
Então, Bhagavan diz, não ter amor por nada, mas "ser amor". Todos nós sabemos que a vida de Bhagavan, e a maneira como Ele a viveu, é em si um grande ensinamento para nós. Por isso, só temos que olhar para Ele para compreender o que significa "ser Amor". Ele incorporou o Amor, Amor que era sentido de imediato por quem quer que tenha vindo à Sua presença. Foi mostrado na compaixão para com os animais, as plantas e as árvores, na firme determinação de compartilhar igualmente com todos, na gentileza e cortesia de comportamento, na consideração demonstrada para com os ladrões que Lhe bateram, para com as abelhas que foram autorizadas a picar na Sua perna, e em um milhão de outros assuntos. A vida de Bhagavan em si mesma nos dá o exemplo perfeito do "Amor", muito além das capacidades de pessoas comuns como eu e você.
A instrução "Anbu-punume" ("ter Amor")
Ouço alguém dizer: "Ei, espere aí! Há aqui um caso da galinha e do ovo, se precisamos ter esse Amor. Esse Amor só é possível no Jnani, ou seja, após Auto-realização; como podemos dizer então que esse Amor é o pré-requisito para o sucesso na Vichara e necessário para a Auto-realização?"
Sim, isso é verdade. O sadhaka não pode nunca chegar à extensão do Amor embutido em Bhagavan, o grande Jnani. Isso só é possível quando ele ou ela é Auto-realizado. Mas também é claro, pela sua utilização no hino Anma Viddai, que a frase “Anbu-punume” se destina ao sadhaka, e não como sendo descritiva do estado do Jnani. E assim, na minha humilde opinião, é uma instrução de que o sadhaka deve também conscientemente tentar gerar nele ou nela certas qualidades específicas que se aproximam, ou igualam a posição ideal, como exemplificado por Bhagavan e pelo Jnani.
De certa forma, tudo depende do carácter e psiquismo do sadhaka, e da difícil questão de haver ou não pré-requisitos necessários para Vichara e Auto-realização. Acredito que há muito mérito nas disciplinas tradicionais de "Yama", "Niyama", etc. pelas quais o sadhaka teve de passar nos velhos tempos, pois elas construíram as qualidades necessárias nele ou nela de uma maneira formal. Mas deixando o treinamento espiritual formal um pouco de lado, por muito que ele possa acontecer, o sadhaka tem de evoluir muito em carácter para chegar perto do ideal de "ser Amor".
A Vichara por si só não cuidará disso?
Pode dizer-se que, no que diz respeito à Vichara, o próprio processo de intensa introversão desenvolve estas qualidades de um modo informal. Eu acrescentaria que o sadhaka pode assumir que, se periodicamente a sua Vichara fica às vezes bloqueada, é porque certas qualidades necessárias ainda estão sendo construídas através do processo (em certo sentido, as vasanas estão sendo limpas), e um maior avanço só acontecerá quando o processo estiver completo. E assim, se ele ou ela é travado na "porta" que se recusa a abrir apesar de todo o 'tocando', ela só vai abrir quando o "Amor" enraizado no sadhaka se aproximar de um nível tal como explicado na nota de Bhagavan acima exposta. E a questão é que pode ainda demorar uma eternidade, se as vasanas básicas forem demasiado fortes para serem eliminadas rapidamente.
Para o Auto-conhecimento despontar, creio eu, precisamos trabalhar arduamente. Bhagavan bem sabe o que a Vichara pode ou não fazer, e, ainda assim, no hino Ele menciona especialmente "ter Amor". Isso só pode significar que, além da nossa prática da Vichara, ainda precisamos trabalhar conscientemente o nosso comportamento, a nossa postura, o nosso carácter em geral.
No Sri Ramanasramam cruzei-me com sadhakas que fazem Vichara durante horas nos salões, mas depois vi-os cá fora mostrando crueldade para com os outros por pequenas transgressões. E não apenas numa única explosão de raiva. Assim não.
Portanto, o amor que podemos ter por nós e pelos nossos empreendimentos, pelo nosso companheiro, pela nossa família, pelos nossos bens, precisa expandir-se para incluir um círculo muito mais amplo. Deveríamos sentir a dor do cachorrinho esfomeado mancando pela estrada, da mãe-macaco que perdeu o seu filhote, da árvore cujos ramos foram violentamente arrancados pela equipa de manutenção da estrada, da pedinte idosa e solitária sentada na berma da estrada sem nenhuma pessoa amiga no mundo, do recém-chegado melancolicamente sentado no salão lutando com a Vichara, sem saber nada do que se trata e fazendo barulho, do grão de arroz que não foi comido e se encontra abandonado no prato como se estivesse dizendo "eu sobrevivi à tempestade e à seca e aos gafanhotos ao longo de tantos meses para me oferecer a ti, mas tu abandonaste-me mesmo assim..."; e então depois poderemos "ser Amor".
Os caminhos de Jnana são um pouco enganadores, na medida em que podemos olhar para eles como atos secos, estéreis; basta sentar-se, fazer Vichara e perseguir o "Eu", é tudo o que é necessário. Na verdade, este é também o equívoco fundamental em relação ao Advaita em geral. Podemos encontrar resmas de escritos expressando admiração sobre como o lógico confesso Sri Sankara conseguiu compor hinos de derreter o coração, como Sri Meenakshi Pancharatnam e Sri Saundarya Lahiri, para nomear apenas dois (e por isso devem ter sido erradamente atribuídos a ele, ou deve haver duas ou até três pessoas com o nome "Sankara"). Eu posso apostar qualquer coisa em como se o advento de Bhagavan tivesse sido há mil anos atrás, nos tempos em que os registos históricos eram raramente feitos, hoje teriam dito que o autor de Ulladu Narpadu nunca poderia ter composto também Arunachala Aksharamanamalai ou qualquer um dos outros hinos devocionais; que deve ter havido duas pessoas chamadas "Ramana" separadas por uns 100 anos mais ou menos, um seguindo o caminho de Jnana e o outro Bhakti. O que é pouco compreendido é que, de facto, um verdadeiro Advaitista também é a maior personificação do Amor; de "Rasa"(*) (literalmente "Suco", como oposto de ser "seco"). Porque, no verdadeiro Advaitista, o Amor tornou-se "Universalizado", da forma como Bhagavan explicou no extrato referido acima.
Se há "Amor", Vairagya não desaparece?
A instrução "Anbu-punume" ("ter Amor")
Ouço alguém dizer: "Ei, espere aí! Há aqui um caso da galinha e do ovo, se precisamos ter esse Amor. Esse Amor só é possível no Jnani, ou seja, após Auto-realização; como podemos dizer então que esse Amor é o pré-requisito para o sucesso na Vichara e necessário para a Auto-realização?"
Sim, isso é verdade. O sadhaka não pode nunca chegar à extensão do Amor embutido em Bhagavan, o grande Jnani. Isso só é possível quando ele ou ela é Auto-realizado. Mas também é claro, pela sua utilização no hino Anma Viddai, que a frase “Anbu-punume” se destina ao sadhaka, e não como sendo descritiva do estado do Jnani. E assim, na minha humilde opinião, é uma instrução de que o sadhaka deve também conscientemente tentar gerar nele ou nela certas qualidades específicas que se aproximam, ou igualam a posição ideal, como exemplificado por Bhagavan e pelo Jnani.
De certa forma, tudo depende do carácter e psiquismo do sadhaka, e da difícil questão de haver ou não pré-requisitos necessários para Vichara e Auto-realização. Acredito que há muito mérito nas disciplinas tradicionais de "Yama", "Niyama", etc. pelas quais o sadhaka teve de passar nos velhos tempos, pois elas construíram as qualidades necessárias nele ou nela de uma maneira formal. Mas deixando o treinamento espiritual formal um pouco de lado, por muito que ele possa acontecer, o sadhaka tem de evoluir muito em carácter para chegar perto do ideal de "ser Amor".
A Vichara por si só não cuidará disso?
Pode dizer-se que, no que diz respeito à Vichara, o próprio processo de intensa introversão desenvolve estas qualidades de um modo informal. Eu acrescentaria que o sadhaka pode assumir que, se periodicamente a sua Vichara fica às vezes bloqueada, é porque certas qualidades necessárias ainda estão sendo construídas através do processo (em certo sentido, as vasanas estão sendo limpas), e um maior avanço só acontecerá quando o processo estiver completo. E assim, se ele ou ela é travado na "porta" que se recusa a abrir apesar de todo o 'tocando', ela só vai abrir quando o "Amor" enraizado no sadhaka se aproximar de um nível tal como explicado na nota de Bhagavan acima exposta. E a questão é que pode ainda demorar uma eternidade, se as vasanas básicas forem demasiado fortes para serem eliminadas rapidamente.
Para o Auto-conhecimento despontar, creio eu, precisamos trabalhar arduamente. Bhagavan bem sabe o que a Vichara pode ou não fazer, e, ainda assim, no hino Ele menciona especialmente "ter Amor". Isso só pode significar que, além da nossa prática da Vichara, ainda precisamos trabalhar conscientemente o nosso comportamento, a nossa postura, o nosso carácter em geral.
No Sri Ramanasramam cruzei-me com sadhakas que fazem Vichara durante horas nos salões, mas depois vi-os cá fora mostrando crueldade para com os outros por pequenas transgressões. E não apenas numa única explosão de raiva. Assim não.
Portanto, o amor que podemos ter por nós e pelos nossos empreendimentos, pelo nosso companheiro, pela nossa família, pelos nossos bens, precisa expandir-se para incluir um círculo muito mais amplo. Deveríamos sentir a dor do cachorrinho esfomeado mancando pela estrada, da mãe-macaco que perdeu o seu filhote, da árvore cujos ramos foram violentamente arrancados pela equipa de manutenção da estrada, da pedinte idosa e solitária sentada na berma da estrada sem nenhuma pessoa amiga no mundo, do recém-chegado melancolicamente sentado no salão lutando com a Vichara, sem saber nada do que se trata e fazendo barulho, do grão de arroz que não foi comido e se encontra abandonado no prato como se estivesse dizendo "eu sobrevivi à tempestade e à seca e aos gafanhotos ao longo de tantos meses para me oferecer a ti, mas tu abandonaste-me mesmo assim..."; e então depois poderemos "ser Amor".
Os caminhos de Jnana são um pouco enganadores, na medida em que podemos olhar para eles como atos secos, estéreis; basta sentar-se, fazer Vichara e perseguir o "Eu", é tudo o que é necessário. Na verdade, este é também o equívoco fundamental em relação ao Advaita em geral. Podemos encontrar resmas de escritos expressando admiração sobre como o lógico confesso Sri Sankara conseguiu compor hinos de derreter o coração, como Sri Meenakshi Pancharatnam e Sri Saundarya Lahiri, para nomear apenas dois (e por isso devem ter sido erradamente atribuídos a ele, ou deve haver duas ou até três pessoas com o nome "Sankara"). Eu posso apostar qualquer coisa em como se o advento de Bhagavan tivesse sido há mil anos atrás, nos tempos em que os registos históricos eram raramente feitos, hoje teriam dito que o autor de Ulladu Narpadu nunca poderia ter composto também Arunachala Aksharamanamalai ou qualquer um dos outros hinos devocionais; que deve ter havido duas pessoas chamadas "Ramana" separadas por uns 100 anos mais ou menos, um seguindo o caminho de Jnana e o outro Bhakti. O que é pouco compreendido é que, de facto, um verdadeiro Advaitista também é a maior personificação do Amor; de "Rasa"(*) (literalmente "Suco", como oposto de ser "seco"). Porque, no verdadeiro Advaitista, o Amor tornou-se "Universalizado", da forma como Bhagavan explicou no extrato referido acima.
Se há "Amor", Vairagya não desaparece?
E então a dúvida pode ser: diz-se ao sadhaka para praticar intensa Vairagya (renúncia); afinal a instrução é de que o mundo é irreal e, portanto, não vale a pena correr atrás dele. Como, então, pode o sadhaka ser também convidado a "ser" Amor? Bem, paradoxalmente, à medida que Vairagya se desenvolve no sadhaka, ele ou ela "sente" mais intensamente. Ou seja, todas as grandes e puras emoções. Temos o grande exemplo de Bhagavan, de novo, que começava a chorar ao ler histórias devocionais como as do Periya Puranam, para espanto dos que se sentavam à sua volta. A Personificação de Vairagya e de Jnana, derramava profusas lágrimas juntamente com a mulher que chorava pela perda do seu bebé, enquanto os outros que por ali deambulavam, os homens do mundo presumivelmente cheios de sentimentos, se sentavam com o rosto impassível, esforçando-se por mostrar alguma emoção. Ou ria-Se também quando alguma piada engraçada era dita, ou alguma história feliz contada.
O segredo de Vairagya NÃO é que você não precise de "sentir", mas que você permaneça desapegado. Você não precisa ir à procura do sofrimento para mostrar "sentimento" ou fazer "bem", mas se você encontrar sofrimento, faça o melhor para ajudar com amor e atenção, ainda assim permanecendo desapegado de tudo. Neste contexto, lembro-me da famosa história Zen "O Rio" (também chamada "A Estrada Enlameada"; a versão abaixo foi recolhida aleatoriamente da internet):
Dois monges Zen, Tanzan e Ekido, estavam viajando em peregrinação, quando chegaram à travessia de um rio lamacento. Lá viram uma linda mulher jovem elegantemente vestida com o seu kimono, obviamente sem saber como atravessar o rio sem estragar as suas roupas. Ela ia a um casamento, e estava a chorar sem saber o que fazer. Sem mais delongas, Tanzan pegou nela graciosamente, segurou-a contra ele, e atravessou o rio lamacento, colocando-a no chão seco. A jovem ficou muito feliz e agradeceu a Tanzan profusamente. Então ele e Ekido continuaram o seu caminho. Horas depois, chegaram a um templo de hospedagem. E aqui Ekido não pôde mais conter-se e soltou as suas queixas: "Certamente é contra as regras, o que você fez lá atrás... Tocar numa mulher simplesmente não é permitido... Como é que pôde fazer isso?... E ter um contacto tão próximo com ela!... Isto é uma violação de todos os protocolos monásticos..." Assim continuou ele com toda a sua verborreia. Tanzan ouviu pacientemente as acusações. Finalmente, durante uma pausa, disse: "Olha, eu pousei a rapariga outra vez do outro lado. Tu ainda a trazes ao colo?".
Receio que algumas críticas me estejam a ser dirigidas por estar eventualmente a ler demasiado numa frase inócua de Bhagavan. Afinal de contas, por que não a deixar no ponto tradicional de que Graça é necessária, e de que para isso é preciso amar a Divindade apropriada; por que ir buscar um significado tão complexo para o "Amor"?
Bem, depois de me ter debruçado durante tantos anos sobre os escritos de Bhagavan, há uma coisa que posso afirmar com segurança, é que Ele nunca escreveu nada como sendo apenas uma frase "inócua". Cada palavra e cada frase escrita por Ele tem camadas de significados que emergem numa reflexão mais profunda. Mas, certamente, o significado pode brilhar de forma diferente para cada um de nós. O atrás exposto é a forma como a frase "Anbu-punume" de Bhagavan, no contexto da Vichara e Auto-conhecimento, brilha para mim. E, ei, se a sua Vichara ficar presa num ponto em que você sente que não está a chegar a lugar algum, tente também "ser Amor" como uma característica inata interior, e reflectida para o exterior em todas as interações do mundo igualmente!
Novamente, apenas um esforço muito humilde de compartilhar, amigos...
* Nota do Blog Texto Meditativo:
Rasa - palavra do Sânscrito. Num contexto espiritual, significa Néctar Divino - o sabor da iluminação. Na linguagem comum, é usada com o sentido de essência, seiva ou sumo de plantas, sumo de fruta, a melhor ou mais delicada parte de qualquer coisa.
Bem, depois de me ter debruçado durante tantos anos sobre os escritos de Bhagavan, há uma coisa que posso afirmar com segurança, é que Ele nunca escreveu nada como sendo apenas uma frase "inócua". Cada palavra e cada frase escrita por Ele tem camadas de significados que emergem numa reflexão mais profunda. Mas, certamente, o significado pode brilhar de forma diferente para cada um de nós. O atrás exposto é a forma como a frase "Anbu-punume" de Bhagavan, no contexto da Vichara e Auto-conhecimento, brilha para mim. E, ei, se a sua Vichara ficar presa num ponto em que você sente que não está a chegar a lugar algum, tente também "ser Amor" como uma característica inata interior, e reflectida para o exterior em todas as interações do mundo igualmente!
Novamente, apenas um esforço muito humilde de compartilhar, amigos...
ॐ
* Nota do Blog Texto Meditativo:
Rasa - palavra do Sânscrito. Num contexto espiritual, significa Néctar Divino - o sabor da iluminação. Na linguagem comum, é usada com o sentido de essência, seiva ou sumo de plantas, sumo de fruta, a melhor ou mais delicada parte de qualquer coisa.
Tradução: Blog Texto Meditativo
ॐ
Bhagavan e o coelhinho |
Ó Arunachala! Fica silenciosa, descansanda aí (no meu coração) para que o mar de felicidade possa surgir e a fala e os pensamentos cessar ॐ Arunachala Aksharamanamalai ॐ |