terça-feira, 6 de agosto de 2013

Ramanashram, Hoje




 Arthur Osborne


Há tantos centros espirituais na Índia, que não só o turista estrangeiro, mas até mesmo o devoto indiano pode muito bem ser desculpado por se questionar sobre qual  visitar. No entanto, não é simplesmente uma questão de duplicação; cada um tem seu próprio caráter específico, de modo que, enquanto um atende à necessidade de uma pessoa, outro oferece um refúgio para outra. 

Primeiro de tudo, surge a questão do objetivo de um centro espiritual, porque isso decide o tipo de pessoas que são suscetíveis de ser atraídas para ele. O Maharshi estava clara e unicamente interessado em orientar as pessoas para a Libertação ou Auto-realização, que é moksha (libertação; emancipação final; liberação de transmigração). Mas esse não é o caso de todo o Ashram e lugar santo? Nem por isso. Há lugares onde as pessoas vão para orar por um filho ou um trabalho, para ganhar uma ação judicial ou passar num exame, para se libertarem da doença ou infortúnio. 

Eu não digo que tais orações não são sempre respondidas no Ramanashram, mas eu digo que o Maharshi não aprovava tais motivos naqueles que vinham até ele. Em vez disso, ele tentou despertar neles a percepção de que eles não eram o corpo que sofre, mas o Si eternamente bem-aventurado e, assim, dar-lhes a serenidade mesmo na adversidade. 

Há também lugares onde as pessoas vão na esperança de  desenvolver poderes, obter visões da divindade, ler os pensamentos das pessoas, curar doenças, e assim por diante. Para todos esses aspirantes o Maharshi era ainda mais desanimador. Não só esses poderes não conduzem à Libertação, mas realmente até podem ser um impedimento, uma vez que os homens se tornam tão ligados a eles, ou ao desejo deles, como às riquezas do mundo e ao poder. 

Tudo isso implica que o Ramanashram não é um lugar visitado por grandes multidões em busca de ganhos transitórios. Pelo contrário, é para o aspirante sério que compreendeu que a Libertação é o objetivo supremo e que busca a graça e o apoio do Mestre para guiá-lo no seu caminho.

Mesmo que haja concordância quanto à meta, existem vários caminhos ou disciplinas para se chegar a ela. O Maharshi ensinou o caminho da Auto-investigação - Quem sou eu?. Isto não significa investigar a mente, consciente ou subconsciente, mas buscar o Si subjacente à mente. Por isso ele disse: "Não pode haver resposta para a pergunta; qualquer resposta que a mente dê tem de estar errada." A resposta vem como um despertar de pura consciência, uma corrente de conhecimento no coração.

Isso é puro jnana (Conhecimento do Absoluto que transcende forma e sem-forma), mas o Maharshi também ensinou um caminho de bhakti (devoção e amor). Ele costumava dizer: "Há dois caminhos: pergunte a si mesmo 'Quem sou eu?', ou submeta-se." Um filósofo poderia facilmente provar que esses dois caminhos são mutuamente exclusivos. Se você busca ter consciência da sua identidade com o Eu Único Universal, que é o Absoluto, você, logicamente, não pode adorar um Deus pessoal ou Guru ao mesmo tempo. Logicamente não, mas na vida real você pode, porque tem diferentes estados de humor e é ajudado através de diferentes tipos de abordagem. Portanto, apesar da lógica, o Maharshi disse que os dois caminhos não são incompatíveis; e os seus devotos constataram que assim é.

Compreender-se-á que estes dois caminhos são disciplinas internas diretas, independentes de ritual; por isso aqui temos uma outra característica do Ramanashram. Existe lá um mínimo de ritual e organização. As pessoas vão e sentam-se silenciosas em meditação diante do santuário do Maharshi ou na sala onde ele esteve sentado durante tantos anos com seus devotos. Caminham na montanha sagrada Arunachala, ou sentam-se nos seus quartos. Fazem visitas ou conversam. Podem escolher tomar as suas refeições no Ashram ou preparar a sua própria comida. Não há quase nenhuma disciplina exterior. Os Vedas são cantados em frente ao santuário, de manhã e à noite, como era costume acontecer na presença do Maharshi, em seu tempo de vida, mas mesmo para esta audiência não existe obrigação. E aqueles que comparecem sentam-se juntos, ombro a ombro, brâmane e não-brâmane, Hindu e estrangeiro, o que não agradaria àqueles que fazem da ortodoxia um fetiche. Isto, no entanto, não implica frouxidão;  a disciplina vem de dentro.

Puro jnana marga (caminho do conhecimento) e puro bhakti marga que seja, o caminho do Maharshi contém também um forte elemento de karma marga (caminho de ritual, deveres religiosos e acção), já que ele espera que os seus devotos o sigam na vida do mundo. Uma vez por outra alguém vinha ter com ele e pedia a sua autorização para renunciar ao mundo, e ele não a dava.

"Por que você acha que é um chefe de família? O pensamento semelhante de que você é um Sannyasin (aquele que renunciou ao mundo) irá assombrá-lo, mesmo se você partir como um. Quer continue na família ou renuncie a ela e vá morar na floresta, a sua mente persegue-o. O ego é a fonte do pensamento. Ele cria o corpo e o mundo e faz você pensar ser um chefe de família. Se você renunciar, ele só irá substituir o pensamento de renúncia pelo da família e o ambiente da floresta pelo de chefe de família. Mas os obstáculos mentais estão sempre lá para si. Eles até aumentam nos novos ambientes. Mudança de ambiente não ajuda. O único obstáculo é a mente, e isso deve ser superado seja em casa ou na floresta. Se você pode fazê-lo na floresta, por que não em casa? Então, por que mudar o ambiente?".
Como é que isto afeta o Ramanashram? Em primeiro lugar, significa que se encontram lá poucos sadhus ou sannyasins. Além disso, não são muitos os devotos do Maharshi a viver lá permanentemente. A maioria deles prossegue a sua vida profissional no mundo, praticando o seu sadhana (uma busca espiritual ou o caminho para a libertação, a técnica de esforço espiritual) não visível, sem forma ou ritual, e só vindo a Tiruvannamalai de vez em quando, para recarregar as baterias, por assim dizer. Pensando neles, um médico, um engenheiro, um professor, um gerente de banco, um editor, um proprietário de cinema, e muitos outros, vêm à mente. Quando se torna apropriado para um deles se aposentar da vida ativa no mundo e se estabelecer em Tiruvannamalai, as circunstâncias tornam-se propícias. E assim acontece. Os visitantes tendem, portanto, a ser tal como se empenharam na sua vida, de silenciosa e invisível sadhana durante a execução de suas obrigações no mundo, e buscam a graça do Maharshi, o poder de seu apoio, para ajudá-los a ser assim.

Outro resultado da natureza essencial, sem-forma, do caminho do Maharshi é a grande proporção de estrangeiros, entre os visitantes e os devotos residentes. Não há necessidade de ser Hindu para o seguir. Qualquer pessoa, qualquer que seja a religião que professe, quer professe qualquer religião formal ou não, pode praticar a Auto-investigação ou pode venerar e submeter-se. Portanto, o Maharshi nunca esperava que qualquer de seus devotos mudasse de uma religião para outra. Cristãos, Muçulmanos, Judeus, Budistas, Parses vieram até ele, tal como os Hindus. Alguns continuaram a praticar as formas das suas religiões, outros não; isso era com eles.

Evans-Wentz, bem conhecido escritor sobre Budismo Tibetano, visitou o Maharshi e perguntou se ele recomendava quaisquer métodos especiais para os europeus, e ele respondeu: "Depende do equipamento mental do indivíduo. Não há regras rígidas e rápidas." Cada aspirante foi guiado e ajudado de acordo com a sua aptidão, não em qualquer base de raça, casta, sexo ou religião.

Enquanto o presente artigo estava sendo escrito, aconteceu que o Ashram recebeu uma carta de uma senhora Americana que nunca viu o Maharshi, e na verdade nunca esteve na Índia, contendo a seguinte mensagem:

"Grande bênção e bem-aventurança recebi inesperadamente.
Às 7 da manhã, antes de acordar, uma visão vívida do Maharshi, potente e poderosa, foi-me concedida por breves instantes, a cores. Sim, eu sei que visões não são o nosso objetivo e meta. No entanto, a profundidade da rendição, êxtase, admiração, onda após onda, cada vez mais fundo - onda após onda de Felicidade inefável - foi esmagador, maravilhoso e encorajador: quase todo vestígio de mente desapareceu. O véu para o Si era delicado, ténue, fino. Naturalmente, reconhecida, humilde e grata, a minha dedicação aprofunda-se muito depois disto. A envolvência e o impacto está comigo ainda."

É claro. É de admirar que as pessoas se voltem para ele de todas as partes do mundo? Mesmo de para lá da Cortina de Ferro chegam cartas.

Normalmente, tem sido possível para qualquer aspirante espiritual em qualquer religião encontrar orientação no âmbito de sua própria tradição. Hoje já não é fácil, ou sequer possível, encontrar um guia em qualquer religião que tenha alcançado as alturas e possa guiar os outros para aí. Também não é fácil, mesmo tendo um guia assim, seguir qualquer caminho estritamente ortodoxo nas condições do mundo moderno. No entanto, a graça divina sempre fornece uma resposta para as necessidades do homem, e nesta era já apareceu na terra o guia supremo, trazendo um caminho para ser seguido de forma não visível por qualquer pessoa que lhe entregue o seu coração.

O Maharshi lembrou frequentemente àqueles que vieram ter com ele, que eles não eram o corpo. Agora há aqueles que presumem que ele era o corpo e, não vendo o seu corpo em Tiruvannamalai, interpretam que ele não está lá. Mas não aqueles que sentiram em seus corações o poder e a subtileza de sua orientação, a vibrante paz de Arunachala que permeia tudo, a montanha sagrada em cujo sopé está localizado o seu Ashram. Ele costumava dizer: "O objetivo do Guru externo é apenas despertar o Guru interno no coração" E pouco antes de deixar o corpo, ele disse a um grupo de devotos: "Quando o Guru despertou o Guru interno no coração dos seus devotos, ele está livre para deixar o corpo."
Sim, pode-se dizer, está tudo muito bem para aqueles que eram já seus devotos quando ele perdeu o corpo, mas o que dizer daquelas pessoas que se aproximam dele agora e sentem a necessidade de um Guru externo?
Pode ser que em alguns casos ele os influencie indiretamente através desses discípulos mais velhos, nos quais o Guru interno foi despertado. Certo é que, em muitos casos, ele influencia-os diretamente e poderosamente, como aconteceu com a senhora Americana, cuja carta citei (embora não necessariamente com qualquer sonho ou visão).

Uma vez, um visitante perguntou se o contato com o Guru continuaria após a dissolução de seu corpo físico e ele respondeu: "O Guru não é a forma física, por isso o contato permanecerá mesmo após a sua forma física desaparecer."

Se se perguntar como pode ele orientar as pessoas ou executar qualquer função após se ter tornado Um com o Absoluto, a resposta é: em primeiro lugar, ele não se tornou Um com o Absoluto, mas simplesmente percebeu a sua preexistente e eterna Unidade. Em segundo lugar, ele já tinha percebido esta Unidade enquanto usava o corpo e era Universal então, como ele é agora. Ele mesmo nos disse que a morte não faz diferença para o jñani (uma pessoa Auto-realizada, um sábio; alguém que atingiu a realização pelo caminho do conhecimento). A única maneira de entender como o jñani, que é universal, pode executar uma função específica, é tornar-se um. Portanto, quando as pessoas lhe faziam tais perguntas ele normalmente respondia: "Não se preocupe com o jñani; primeiro descubra quem você é." E quando você tiver feito isso plenamente você é o jñani.

Mas, certamente, essa orientação continuada depois de deixar o corpo é incomum! Sim, é incomum, mas quem é que pode atar a Divina Providência a regulamentos? As circunstâncias também são incomuns. Tenho observado como o caminho sem-forma que o Maharshi prescreveu compensa a dificuldade atual em encontrar orientação adequada dentro das formas de qualquer religião; da mesma forma, o Guru invisível pode compensar a dificuldade moderna em encontrar um Guru vivo totalmente poderoso na Terra.  Tais explicações são para aqueles que gostam de especular; para aqueles que se contentam em se esforçar ao máximo no caminho, a orientação está lá.

Esta orientação invisível também tem um efeito sobre o Ashram.
Isso significa que muitos ou a maioria dos que vêm, tanto da Índia como do exterior, são novas pessoas que nunca viram o Maharshi em vida, mas têm sido atraídas para ele de várias formas desde então.

A conclusão, então, é que se você é um ritualista ou formalista rigoroso, se você almeja bênçãos materiais, se você busca visões ou poderes, há outros lugares mais adequados para si do que o Ramanashram. Mas se você entendeu o objetivo espiritual final de libertação, e busca a graça e orientação sobre o caminho, você vai encontrá-lo no Ramanashram.


Inigualável Amor e Graça
Surpassing Love and Grace


Tradução: Blog "Texto Meditativo"
Fotos: Blog "Texto Meditativo"


Jovem Ramana
Templo Annamalaiyar  em Tiruvannamalai 

No topo do Templo do Sri Ramanashramam,
meditando: 'Arunachala-Shiva'

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